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31 de janeiro de 2010

Esse Desemprego!

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Meus senhores, é mesmo um problema
Esse desemprego!
Com satisfação acolhemos
toda a oportunidade
de discutir a questão.
Quando queiram os senhores! A todo momento!
Pois o desemprego é para o povo
um enfraquecimento.
Para nós é inexplicável
tanto desemprego.
Algo realmente lamentável
que só traz desassossego.
Mas não se deve na verdade,
dizer que é inexplicável
pois pode ser fatal
Dificilmente nos pode trazer
A confiança das massas
para nós é imprescindível.
É preciso que nos deixem valer
pois seria mais que temível
permitir ao caos vencer
Num tempo tão pouco esclarecido!
Algo assim não se pode conceber
Com esse desemprego!
Ou qual a sua opinião?
só nos pode convir
Esta opinião: o problema
assim como veio, deve sumir.
Mas a questão é: o nosso desemprego
não será solucionado
enquanto os senhores não
ficarem desempregados!
Bertolt Brecht

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27 de janeiro de 2010

Divagando sobre argumentos...

"...Tudo o que o homem faz tem de o fazer primeiro no seu espírito, e o mecanismo subjacente ao espírito é o cérebro. Não pode haver acção sem um mecanismo subjacente, e um mecanismo só pode fazer o que a sua estrutura lhe permite que faça. Uma vaca nunca poderia pôr um ovo, por muito que tentasse; um gira-discos não poderia escrever uma carta, nem uma máquina de escrever poderia tocar música. Também o homem só pode fazer o que o seu cérebro lhe permite que faça.
....É um órgão de sobrevivência.


A actividade humana é motivada pela necessidade ou pelo desejo, e o cérebro é o instrumento da satisfação humana.


Nas sociedades primitivas, o cérebro deve ter-se limitado a isso. Nas sociedades mais sofisticadas, o cérebro adquiriu uma segunda função: encontrar argumentos, na maioria pomposos e bem soantes, para justificar actos ou desejos. Isso faz o nosso cérebro tão rapidamente que até acreditamos que os nossos actos são realmente motivados por esses argumentos.


Ao falar de argumentos, há um ponto que deve ficar bem claro: eles não têm verdadeiro significado. Consistem em palavras, e as palavras podem ser alinhadas de muitas formas.

Todos conhecemos o passatempo favorito de Sócrates:
"Diz-me qualquer coisa, e eu provarei que é falso; depois diz-me o contrário, e eu provarei que é falso também."

Albert Szent-Gyorgyi
in O Macaco Louco
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24 de janeiro de 2010

Desejos... também os meus!


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Fotografia de Jorge Caravana, Olhares


Desejos

Disto eu gostaria:
ver a queda frutífera dos pinhões sobre o gramado
e não a queda do operário dos andaimes
e o sobe-e-desce de ditadores nos palácios.

Disto eu gostaria:
ouvir minha mulher contar:
-Vi naquela árvore um pica-pau em plena ação,
e não:-Os preços do mercado estão um horror!


Disto eu gostaria:
que a filha me narrasse:
-As formigas neste inverno estão dando tempo às flores,
e não:-Me assaltaram outra vez no ônibus do colégio.


Disto eu gostaria:
que os jornais trouxessem notícias das migrações
dos pássaros
que me falassem da constelação de Andrômeda
e da muralha de galáxias que, ansiosas, viajam
a 300 km por segundo ao nosso encontro.


Disto eu gostaria:
saber a floração de cada planta,
as mais silvestres sobretudo,
e não a cotação das bolsas
nem as glórias literárias.


Disto eu gostaria:
ser aquele pequeno insecto de olhos luminosos
que a mulher descobriu à noite no gramado
para quem o escuro é o melhor dos mundos.

Affonso Romano de Sant'Anna
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19 de janeiro de 2010

IMAGEM DO MUNDO

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(Sharbat Gula) “Garota afegã”
Steve McCurry,National Geographic 1984


IMAGEM DO MUNDO

Vejo o mundo. E ao ver as coisas do mundo,
com a sua realidade própria, vejo também
a diversidade que existe em cada coisa,
distinguindo-a, múltipla ou plural,
como se diz. No entanto, o que eu vejo
é sempre igual ao que eu penso
que o mundo é; e tudo se torna
semelhante, dentro deste mundo que é
o meu, e é sempre diferente do mundo que
existe no pensamento do outro É por isso
que não penso nas coisas do mundo como
se fossem minhas; e que o deixo para os outros,
para que eles façam o mundo como quizerem,
para que seja diferente do meu, quando o
olho e o que vejo me restitui o mundo
como eu o quero, diferente do mundo que
os outros pensam.

Nuno Júdice
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15 de janeiro de 2010

Afinal em que ficamos???

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Acabei de receber este vídeo por email , e fiquei deveras impressionada com o conteúdo.
Ainda que já tenha lido algumas teses sobre o assunto, principalmente depois da farsa  em Copenhague, dou comigo a pensar  que não é possível estarmos TODOS a ser levados nesta febre do aquecimento global...
Ou estamos?
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AFINAL EM QUE FICAMOS?????
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Alguém, num comentário no post anterior, e a propósito da tremenda tragédia no Haiti, recuperava a questão das experiências nucleares  na Polinésia... 
Que relação pode haver entre estes "factos" e a intensidade cada vez maior destes, cada vez mais frequentes fenómenos (?) recentes?
Desculpem a minha ignorância, mas...

SÓ TENHO PERGUNTAS...
 ALGUÉM TEM RESPOSTAS?
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13 de janeiro de 2010

As imagens do horror...



Num momento em que a opinião pública mundial se mostra sensibilizada para a ajuda ao Haiti, há já várias contas abertas por instituições, para as quais os portugueses poderão canalizar contribuições.
O NIB da conta “Cáritas Ajuda Haiti” é: 0035 0697 0063 0007 5305 3.
Através da Cruz Vermelha Portuguesa, pode fazer donativos para o Fundo de Emergência da organização em vários bancos, indicados no site
http://www.cruzvermelha.pt
ou por telefone, para o número 760 20 22 22 de atendimento automático (o custo da chamada é de 0,60€ IVA).
Por seu lado, a Assistência Médica Internacional abriu a conta “Ajude a Missão de emergência da AMI no Haiti”, com o NIB 0007 001 500 400 000 00672.
No Multibanco, a entidade é 20909 e a referência é 909 909 909.
[Informação retirada de Conversas de Xaxa]

10 de janeiro de 2010

Perguntas à Língua Portuguesa - Mia Couto

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Com o Acordo Ortográfico na ordem do dia,
apeteceu-me republicar este saboroso texto de Mia Couto...

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"Venho brincar aqui no Português, a língua.
Não aquela que outros embandeiram. Mas a língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar e que nos faz a nós, moçambicanos, ficarmos mais Moçambique. Que outros pretendam cavalgar o assunto para fins de cadeira e poleiro pouco me acarreta.
A língua que eu quero é essa que perde função e se torna carícia. O que me apronta é o simples gosto da palavra, o mesmo que a asa sente aquando o voo. Meu desejo é desalisar a linguagem, colocando nela as quantas dimensões da Vida. E quantas são? Se a Vida tem é idimensões?
Assim, embarco nesse gozo de ver como escrita e o mundo mutuamente se desobedecem. Meu anjo-da-guarda, felizmente, nunca me guardou.
Uns nos acalentam: que nós estamos a sustentar maiores territórios da lusofonia.
Nós estamos simplesmente ocupados a sermos. Outros nos acusam: nós estamos a desgastar a língua. Nos falta domínio, carecemos de técnica.
Ora qual é a nossa elegância? Nenhuma, excepto a de irmos ajeitando o pé a um novo chão. Ou estaremos convidando o chão ao molde do pé? Questões que dariam para muita conferência, papelosas comunicações.
Mas nós, aqui na mais meridional esquina do Sul, estamos exercendo é a ciência de sobreviver. Nós estamos deitando molho sobre pouca farinha a ver se o milagre dos pães se repete na periferia do mundo, neste sulbúrbio.
No enquanto, defendemos o direito de não saber, o gosto de saborear ignorâncias. Entretanto, vamos criando uma língua apta para o futuro, veloz como a palmeira, que dança todas as brisas sem deslocar seu chão.
Língua artesanal, plástica, fugidia a gramáticas.
Esta obra de reinvenção não é operação exclusiva dos escritores e linguistas. Recriamos a língua na medida em que somos capazes de produzir um pensamento novo, um pensamento nosso. O idioma, afinal, o que é senão o ovo das galinhas de ouro?
Estamos, sim, amando o indomesticável, aderindo ao invisível, procurando os outros tempos deste tempo. Precisamos, sim, de senso incomum. Pois, das leis da língua, alguém sabe as certezas delas?
Ponho as minhas irreticências. Veja-se, num sumário exemplo, perguntas que se podem colocar à língua:

• Se pode dizer de um careca que tenha couro cabeludo?
• No caso de alguém dormir com homem de raça branca é então que se aplica a expressão: passar a noite em branco?
• A diferença entre um ás no volante ou um asno volante é apenas de ordem fonética?
• O mato desconhecido é que é o anonimato?
• O pequeno viaduto é um abreviaduto?
• Como é que o mecânico faz amor? Mecanicamente.
• Quem vive numa encruzilhada é um encruzilhéu?
• Se diz do brado de bicho que não dispõe de vértebras: o invertebrado?
• Tristeza do boi vem de ele não se lembrar que bicho foi na última reencarnação. Pois se ele, em anterior vida, beneficiou de chifre o que está ocorrendo não é uma reencornação?
• O elefante que nunca viu mar, sempre vivendo no rio: devia ter marfim ou riofim?
• Onde se esgotou a água se deve dizer: "aquabou"?
• Não tendo sucedido em Maio mas em Março o que ele teve foi um desmaio ou um desmarço?
• Quando a paisagem é de admirar constrói-se um admiradouro?
• Mulher desdentada pode usar fio dental?
• A cascavel a quem saiu a casca fica só uma vel?
• As reservas de dinheiro são sempre finas. Será daí que vem o nome: "finanças"?
• Um tufão pequeno: um tufinho?
• O cavalo duplamente linchado é aquele que relincha?
• Em águas doces alguém se pode salpicar?
• Adulto pratica adultério. E um menor: será que pratica minoritério?
• Um viciado no jogo de bilhar pode contrair bilharziose?
• Um gordo, tipo barril, é um barrilgudo?
• Borboleta que insiste em ser ninfa: é ela a tal ninfomaníaca?

Brincadeiras, brincriações.
E é coisa que não se termina.

Lembro a camponesa da Zambézia. Eu falo português corta-mato, dizia. Sim, isso que ela fazia é, afinal, trabalho de todos nós. Colocámos essoutro português - o nosso português - na travessia dos matos, fizemos com que ele se descalçasse pelos atalhos da savana.
Nesse caminho lhe fomos somando colorações. Devolvemos cores que dela haviam sido desbotadas - o racionalismo trabalha que nem lixívia. Urge ainda adicionar-lhe músicas e enfeites, somar-lhe o volume da superstição e a graça da dança.
É urgente recuperar brilhos antigos.
Devolver a estrela ao planeta dormente."

Mia Couto

6 de janeiro de 2010

O piso da cidade - Romério Rómulo

Ouro Preto


poeta que da vida fez pedaço,
ando em tropel nas ruas da cidade
como um bêbado recolhe o seu espaço.


balanço o corpo. a mente é um bagaço
que esgana vilania nas vielas.
o cérebro é pagão. a mão, feita de aço.


o equilíbrio trôpego das falas
tem fôlego das gentes. as bielas
arruínam o piso da cidade em valas.


sobrou o quê do espaço? em rescisão
posso dizer que ainda carrego as tralhas
sobradas vivas. puro coração!


(o piso da cidade)

Romério Rómulo

[Per Augusto & Machina]
Editora Altana, São Paulo, 2009
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HUGO PONTES, sobre o livro de Romério Rómulo,

PER AUGUSTO & MACHINA...
"Antes de um comentário sobre poemas e poéticas, refiro-me à edição primorosa de Per Augusto & Machina, de Romério Rômulo, poeta preocupado com a força da palavra e o visual que as ilustrações emprestam às páginas do livro. Força essa encontrada nos poemas em movimento pré-modernista de Augusto dos Anjos.
Assim posso definir os poemas desse autor mineiro que, desde a década dos 80 do século XX, publica e dá a conhecer ao mundo literário a poesia e sua palavra-passe: verbi-voco-visual. Querendo entender que as palavras, em sua mais ampla expressão semiótica, trazem a sinestesia que provoca todos os sentidos do ser humano, por consequência do leitor.
Dessa maneira é que sempre vi e li Romério Rômulo, habilidoso artesão de um cuidadoso entretecer palavras, dando ao poema – assim como se dá a um bom vinho – tempo longo para a maturação.
Per Augusto & Machina é o resultado desse domínio, dessa não-convencional pressa em publicar para mostrar resultados. O livro encerra em suas páginas a genialidade do poeta cuja síntese, na opinião deste leitor, está no poema à página 14:
augusto e máquina se arranham
na última dose atormentada
do corpo, a válvula é entranha
até a amargura é mutilada."

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Hugo Pontes é natural de Três Corações, sul de Minas Gerais, nascido a 22 de Julho de 1945. Foi muito cedo para Conceição do Rio Verde, onde foi criado. Sua trajetória na vida literária inicia-se, no ano de 1963, em Oliveira, junto com Márcio Almeida, Waldemar de Oliveira e Márcio Vicente Silveira Santos no Grupo VIX de poesia de vanguarda.
Desde o começo, revela-se um poeta preocupado com o espaço branco do papel, tanto que cria o primeiro poema (visual) símbolo do Grupo.No final dos anos 60 integra o movimento do Poema/Processo. A partir de 70, volta-se para o Poema Visual e desenvolve intenso trabalho, integrando o movimento visual brasileiro e a Arte Postal (Mail Art) no exterior.
É Supervisor Pedagógico da Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura de Poços de Caldas e professor na Unifenas - Universidade de Alfenas - Campus de Poços de Caldas. No "Jornal da Cidade" edita, há 16 anos, a página ComunicARTE , dedicada ao Poema Visual.
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3 de janeiro de 2010

Canto uma canção... a 2010

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Pintura de Maria Azenha

 

Canto uma canção.
Canto a canção do homem livre.
Canto os sonhos e pesadelos.
Canto o irmão branco
e o irmão negro.
 Canto o Oceano e o longo
poema do mar.
Canto e fortaleço-me no azul.
Canto ouvindo cantar.

Esta é a canção do homem livre.
E ninguém ousa calar-me.
Quantos quererão cantar comigo?
Quantos mais?
Mandai-me todos estes homens e mulheres
que não têm abrigo.
E eu os cantarei.
Outros que se ocupem de outras coisas.
Há muito trabalho em todos os lugares.
Não somos porventura mais que meia dúzia?
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O meu nome dizem os rapazes
das montanhas,
alcança a outra margem.
Vai a casa dos mendigos.
Eu sempre os cantarei.


Já disse.
Eu só vim para cantar.
Outra coisa não sei fazer.
Cada som que sai
vai a todos os pontos cardeais.
Vai a casa dos poderosos
e a casa dos humildes.


Entra pela janela dos humilhados,
e canta pelos oprimidos.
Uma canção livre vai a muitas milhas em redor.

Já disse.

Eu só vim para cantar.
E cada um habitará a canção a seu modo.

Eu canto então uma canção livre.

Maria Azenha