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30 de agosto de 2009

As Duas Damas

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"Assaltei" um blog amigo - A Espuma das Palavras - do meu amigo José Augusto,
e apropriei-me deste texto que aqui vos trago hoje, último dia de Agosto...
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Ao mesmo tempo anuncio-vos o meu regressooooooooo...
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AGUARDEM-ME NOS VOSSOS BLOGS!!!!
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As Duas Damas
Uma disse: "Anuncio mais um caso de gripe A em Alguidares de baixo"... E lavou as imaculadas mãos na torneirinha da escola. Outra declamou:"Anuncio a descida drástica do insucesso escolar"... E lavou as puras mãos na torneirinha da escola. Uma disse:"O Serviço Nacional de Saúde está na mesma, o que significa que está melhor"... e voltou a lavar as doces mãos na torneirinha da escola. Outra decretou:"O concurso dos professores é mais um grande sucesso que a mim é devido, passo a imodéstia»... e lavou as translúcidas mãos na torneirinha da escola. As funcionárias olhavam directamente para as câmaras das televisões. Os secretários de estado olhavam directamente para as damas com veneração e auto-estima. Os professores olhavam directamente para a senhora directora. A senhora directora olhava directamente para a torneirinha da escola. As crianças olhavam para as pequeninas mãos. O país olhava para o infinito, onde talvez uma grande torneira escoasse leite e mel em abundância. . José Augusto Nozes Pires,
em A Espuma das Palavras, um blog que recomendo a todos os amigos.
http://aespumadaspalavras.blogspot.com/
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24 de agosto de 2009

E hoje?

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Sabe-se lá por que me lembrei disto!!!
Deve ser do calor....
Mas sabem que era assim em 1972? . E HOJE?
[...]
Como no Reino só havia
1 -Único Mestre que tudo podia e tudo o mandava, cada dê-erre pretendia enganar os outros fingindo que era o mais importante logo a seguir ao Chefe.
Daí o conhecido estribilho . O EXCELENTÍSSIMO NÃO SABE COM QUEM ESTÁ A FALAR . que se ouvia frequentemente nas cenas de rua da Comarca dos Doutores. Filhos e netos de camponeses que enriqueceram, enriqueforam e que em ricos serão sempre camponeses por mais que disfarcem, estes exemplares caracterizavam-se por possuirem hábitos sedentários, preferindo as áreas das secretarias de outras de clima acentuadamente burocrático onde a vida decorre nos ciclos naturais da chuva e dos impostos. Deslocava-se com solenidade difusa, à custa dos seus canudos de bacharéis que utilizavam como membrana extensora do aparelho bucal e do abdómen ou com apêndice perfurador para abrir caminhos subterrâneos no planeta dos decretos. Hoje está históricamente provado que os dê-erres eram dotados de grande instinto gregário. Se bem que desvairados na voracidade, davam provas de apreciável sentido colectivo na luta contra a maioria dos mexilhões, dominando-os pelo cantar gargarejado com manobra de ponto e vírgula.
Assinavam com DR., sempre com DR., fizesse sol ou tempestade. Transformaram essa marca no entre-parênteses dos seu nomes e não podiam dispensá-la ao telefone, na voz, na família e nas iniciais do pijama.[...] Excerto de "Dinossauro Excelentíssimo" de José Cardoso Pires (1972)
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18 de agosto de 2009

No calor de Agosto...Memórias!

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Ilha da Inhaca - Moçambique
Com o mar e o céu ao sul
absorta e distante me quedo em silêncio numa bebedeira de azul. sentimentos de paz, tranquilidade, olhar vazio... para lembrar num instante tempos vividos, momentos inolvidáveis, cidades, países, memórias notáveis... e vem uma saudade doce, uma vontade de voltar, um desejo de reviver... enquanto repousa, meigo e calmo, o meu olhar no céu...ao sul ao longe...ao mar...
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10 de agosto de 2009

"Então é assim..."

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Velho, de Ema Berta
Os meus contemporâneos falam muito
e dizem: «Então é assim»,
com o ar desenvolto de quem se alimenta
do som da própria voz, quando começam
a explicar longamente as actuais tendências
das artes ou das letras ou das sociedades
a pouco e pouco iguais umas às outras
neste primeiro mundo em que nascemos,
agora que o segundo deixou de existir
e que o terceiro, mais guerra, menos fome,
continua abstracto, em folclore distante.
Parece que está morta a metafísica
e que a verdade adormeceu, sonâmbula,
nos corredores vazios, onde às escurass
e vão cruzando alguns milhões de frases
dos meus contemporâneos. Todavia,
falam de tudo com o entusiasmo
de quem lança «propostas» decisivas
e percorre as «vertentes» de novos caminhos
para a humanidade, enquanto saboreiam
a cerveja sem álcool, o cafés
em cafeína e sobretudo
o amor sem amor, pra conservarem
o equilíbrio físico e mental. Os meus contemporâneos dizem quase sempre
que não são moralistas, e é por isso
que forçam toda a gente, mesmo quem não quer,
a ser livre, saudável e feliz:
proibem o tabaco e o açúcar
e se por vezes sofrem, tomam comprimidos
porque a alegria é uma questão de química
e convém tê-la a horas certas, como
o prazer vigiado por preservativos
e outros sempre obrigatórios cintos
de segurança, pra que um dia possam
sentir que morrem cheios de saúde.
Quando contemplo os meus contemporâneos
entre as conversas trendy e os lugares da moda,
«tropeço de ternura», queria ser
pelo menos tão ingénuo como eles,
partilhar cada frémito dos lábios,
a labareda vã das gargalhadas
pela madrugada fora. No entanto, assedia-me a acédia de ficar
assim, mais preguiçoso do que um Oblomov
à escala portuguesa — ó doce anestesia
a invadir-me o corpo, a libertar-me
desse feitiço a que se chama o «espírito
do tempo» em que vivemos, sob escombros
de um céu desmoronado em mil pequenos cacos
ainda luminosos, virtuais
estrelas que se apagam e acendem
à flor de todos os écrans
que os meus contemporâneos ligam e desligam
cada dia que passa, nunca se esquecendo
de carregar nas teclas necessárias
para a operação «save»
e assim alcançarem a eternidade. (in Poesia Reunida, 1990-2000)
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Fernando Pinto do Amaral nasceu em Lisboa em 1960. Frequentou a Faculdade de Medicina, mas abandonou o curso, vindo a licenciar-se em Línguas e Literaturas Modernas, concluindo o Mestrado e o Doutoramento em Literatura Portuguesa.
É Professor do Departamento de Literaturas Românicas da Faculdade de Letras de Lisboa. Publicou, desde 1990, cinco livros de poesia, dois volumes de ensaio e traduziu poemas de Baudelaire, Verlaine, Jorge Luis Borges e Gabriela Mistral. Prefaciou edições de poesia de Camões, Bocage, Antero de Quental, Cesário Verde, Ruy Cinatti, Tomaz Kim e Luís Miguel Nava, entre outros.
Alguns dos seus poemas estão traduzidos e publicados em espanhol, francês, neerlandês, alemão, checo, inglês, búlgaro e turco.
Em 1990 publicou o seu primeiro livro de poesia, "Acédia", a que se seguiram "A Escada de Jacob" (1993), "Às Cegas" (1997) e "Poesia Reunida 1990-2000".
De entre os seus ensaios destaque-se "O Mosaico Fluido - Modernidade e Pós-modernidade na Poesia Portuguesa mais Recente" (1991).
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