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26 de outubro de 2010

"Esperemos"...


Vincent Van Gogh



Há outros dias que não têm chegado ainda,
que se estão fazendo
como o pão ou as cadeiras ou o produto
das farmácias ou das oficinas
- há fábricas de dias que virão -
existem artesãos da alma
que levantam e pesam e preparam
certos dias amargos ou preciosos
que de repente chegam à porta
para nos premiar
com uma laranja
ou nos assassinar de imediato.

Pablo Neruda
(Últimos Poemas)




20 de outubro de 2010

"É grave a situação de Portugal"...Desde quando, afinal?


William Turner: O incêndio no Parlamento, 1835.
Cleveland Museum of Art


"É grave a situação de Portugal.
São grandes as dificuldades que embaraçam a vida política da nação.

Confusão e incoerência nos princípios, grande desordem nas finanças;
enfraquecimento deplorável da autoridade, dentro dos limites da constituição e das leis;
falta de confiança na vitalidade do país e nas suas faculdades políticas e económicas;
um desalento injustificável através do qual se esconde um perigoso indiferentismo;
a violência mais exagerada nas lutas dos partidos, sem que lhes corresponda nem o vigor das convicções nem a ousadia dos cometimentos;
tendência funesta a rebaixar tudo e todos;
paixões em vez de crenças;
preconceitos em vez de ideias;
negações em vez de afirmações, tanto no domínio dos princípios como no dos factos;
desconfianças em vez de esperanças e falta de fé na liberdade;
são cousas de desorganização e ruína para uma nação, por maior que seja o seu poder, por mais gloriosas que sejam as suas tradições.

Em Portugal dão-se muitas dessas circunstâncias que abatem a energia das nações.
É uma dolorosa verdade. Mas é verdade também que o mal, ainda que grave, não é sem remédio.
É mais aparente do que real.
(será???, digo eu!)

Em Portugal há todas as condições de uma verdadeira nacionalidade."


Andrade Corvo
 Perigos (excerto - 1870)
Economista, homem de ciência, militar, parlamentar e político português, João de Andrade Corvo nasceu a 30 de Janeiro de 1824, em Torres Novas, e faleceu a 16 de Fevereiro de 1890, em Lisboa. Frequentou os cursos de Matemática e Ciências Naturais, Engenharia e Medicina. Em 1866, tornou-se ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria, tendo desenvolvido leis proteccionistas e construído o caminho-de-ferro do Minho ao Douro. Em 1872, foi-lhe entregue a pasta da Marinha e Ultramar e depois a dos Negócios Estrangeiros. Leccionou na Escola Politécnica de Lisboa e no Instituto Agrícola. Criou a Sociedade Escolástica Filomática com vários amigos, como Latino Coelho, Mendes Leal e Rebelo da Silva.

No entanto, para além de político, foi também dramaturgo e romancista. Colaborou em vários periódicos, entre os quais a Revista Universal Lisbonense, o Mosaico, o Arquivo Universal, a Revista Contemporânea de Portugal e Brasil ou A Época, onde publicou vários textos dramáticos: Nem tudo o que luz é ouro, de 1849, Um conto ao serão, de 1852, O astrólogo e O aliciador, ambos de 1859. Entre 1850 e 1851, publicou o romance histórico em quatro volumes Um ano na corte, que se destaca dos seus congéneres pela acuidade psicológica, elogiado pelo próprio Alexandre Herculano no prefácio das Lendas e narrativas. Publicou ainda o romance Sentimentalismo, de 1871, e a colectânea Contos em viagem, de 1883, de temática actual.


Bibliografia: D. Maria Teles, 1849; Botânica Elementar, 1850; Um ano na corte, 1850-1851; Murmúrios, 1851 (poesias); A Instrução Pública, 1866; Sentimentalismo, 1871; O Livro do Lavrador, 1875; A Agricultura e a Natureza, 1881; Contos em viagem, 1883; Estudos sobre as Províncias Ultramarinas, 4 vols., 1883-1887

18 de outubro de 2010

Imagens de férias


Há férias, que por breves que sejam, me compensam e ajudam a sobreviver à loucura e ao trabalho dos meses de Verão por estes lados


E este ano descobri "isto"...
o som do silêncio... a quietude e afabilidade do ambiente...
o horizonte bravio a perder de vista... a natureza, pura e simples.
 

Ficou-me a vontade e a certeza de lá voltar, mas com mais tempo.


Entretanto, partilho convosco alguns momentos dessas mini-férias...



 


Data... Sophia de Melo Breyner

Sophia, por Eduardo Gageiro


Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negação
Tempo de covardia e tempo de ira
Tempo de mascarada e de mentira
Tempo de escravidão
Tempo dos coniventes sem cadastro
Tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rasto
Tempo da ameaça

2 de outubro de 2010

"Caminhamos para uma ruína!..."

A diferença está nos fraques, nos taquígrafos, no telégrafo e pouco mais... minudências!


[...]
«Caminhamos para uma ruína! - exclama o Presidente do Conselho.
- O défice cresce! O País está pobre! A única maneira de nos salvarmos é o imposto que temos a honra, etc...»

Mas então o partido regenerador, que está na oposição, brame de desespero, reúne o seu centro. As faces luzem de suor, os cabelos pintados destingem-se de agonia, e cada um alarga o colarinho na atitude de um homem que vê desmoronar-se a Pátria!

— Como assim! - exclamam todos - mais impostos!?

E então contra o imposto escrevem-se artigos, elaboram-se discursos, tramam-se votações! Por toda a Lisboa rodam carruagens de aluguel, levando, a 300 réis por corrida, inimigos do imposto! Prepara-se o cheque ao ministério histórico... Zás! cai o ministério histórico!

E ao outro dia, o partido regenerador, no poder, triunfante, ocupa as cadeiras de S. Bento. Esta mudança alterou tudo: os fundos desceram mais, as transacções diminuíram mais, a opinião descreu mais, a moralidade pública abateu mais - mas finalmente caiu aquele ministério desorganizador que concebera o imposto, e está tudo confiado, esperando.

Abre a sessão parlamentar. O novo ministério regenerador vai falar.
Os senhores taquígrafos aparam as suas penas velozes. O telégrafo está vibrante de impaciência, para comunicar aos governadores civis e aos coronéis a regeneração daPátria. Os senhores correios de secretaria têm os seus corcéis selados!
Porque, enfim, o ministério regenerador vai dizer o seu programa, e todo o mundo se assoa com alegria e esperança!

- Tem a palavra o Sr. Presidente do Conselho.

- O novo presidente: «Um ministério nefasto (apoiado, apoiado! - exclama a maioria histórica da véspera) caiu perante a reprovação do País inteiro. Porque, Senhor Presidente, o País está desorganizado, é necessário restaurar o crédito. E a única maneira de nos salvarmos...»

Murmúrios. Vozes: Ouçam! ouçam!

«...É por isso que eu peço que entre já em discussão... (atenção ávida que faz palpitar debaixo dos fraques o coração da maioria...) que entre em discussão - o imposto que temos a honra, etc. (apoiado! apoiado!)»
E nessa noite reúne-se o centro histórico, ontem no ministério, hoje na oposição.
Todos estão lúgubres.

- «Meus senhores - diz o presidente, com voz cava. - O País está perdido! O ministério regenerador ainda ontem subiu ao poder, e doze horas depois já entra pelo caminho da anarquia e da opressão propondo um imposto! Empreguemos todas as nossas forças em poupar o País a esta última desgraça!
- Guerra ao imposto!...»

Não, não! com divergências tão profundas é impossível a conciliação dos partidos!

Eça de Queiroz,
Uma Campanha Alegre, 1871

1 de outubro de 2010

ELOGIO AO AMOR

Para ti...neste dia, o mais importante da tua vida... sem muitas palavras...
estou triste por estar ausente,
 mas muito feliz por te saber a viver um amor "à antiga"...um amor puro!
E isso é o mais importante.
Que a vossa felicidade seja eterna!




Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade.
Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão.
Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática.
Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado.
Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo".
O amor passou a ser passível de ser combinado.
Os amantes tornaram-se sócios.
Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões.
O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível.
O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.
Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje.
Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.
Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha.
Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".
Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos.
Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores.
O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade.
Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo.
O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode.
Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.
O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina.
O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino.
O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima.
O amor não se percebe. Não dá para perceber.
O amor é um estado de quem se sente.
O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.
O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser.
O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe.
Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém.
Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não está lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.
Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz.
Não se pode ceder. Não se pode resistir.
A vida é uma coisa, o amor é outra.
A vida dura a vida inteira, o amor não.
Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.

Miguel Esteves Cardoso