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Eça de Queirós morreu em Paris no dia 16 de Agosto de 1900,
Este é um excerto de "As Farpas", publicado em 1871.
137 anos depois...
Eça poderia escrever esta "farpa" e estaria cheio de razão...
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Portugal, não tendo princípios, ou não tendo fé nos seus princípios, não pode propriamente ter costumes.
Fomos outrora o povo do caldo da portaria, das procissões, da navalha e da taberna. Compreendeu-se que esta situação era um aviltamento da dignidade humana: e fizemos muitas revoluções para sair dela.Ficamos exactamente em condições idênticas. O caldo da portaria não acabou.Não é já como outrora uma multidão pitoresca de mendigos, beatos, ciganos, ladrões, caceteiros, que o vai buscar alegremente, ao meio dia, cantando o Bendito; é uma classe inteira que vive dele, de chapéu alto e paletó. Este caldo é o Estado. Toda a nação vive do Estado.Logo desde os primeiros exames do liceu a mocidade vê nele o seu repouso e a garantia do seu futuro[...]A vida militar não é carreira; é uma ociosidade organizada por conta do Estado.Os proprietários procuram viver à custa do Estado, vindo a ser deputados a 2$500 réis por dia.A própria industria faz-se proteger pelo Estado e trabalha sobretudo em vista do Estado.A imprensa até certo ponto vive também do Estado.A ciência depende do Estado.O Estado é a esperança das famílias pobres e das casas arruinadas.Ora como o Estado, pobre, paga pobremente, e ninguém se pode libertar da sua tutela para ir para a indústria ou para o comércio, esta situação perpetua-se de pais a filhos como uma fatalidade.Resulta uma pobreza geral. Com o seu ordenado ninguém pode acumular, poucos se podem equilibrar. Daí o recurso perpétuo para a agiotagem; e a dívida, a letra protestada, como elementos regulares da vida.Por outro lado o comércio sofre desta pobreza da burocracia, e fica ele mesmo na alternativa de recorrer também ao Estado ou de cair no proletariado.A agricultura, sem recursos, sem progresso, não sabendo fazer valer a terra, arqueja à beira da pobreza e termina sempre recorrendo ao Estado.Tudo é pobre: a preocupação de todos é o pão de cada dia.Esta pobreza geral produz um aviltamento na dignidade.Todos vivem na dependência: nunca temos por isso a atitude da nossa consciência, temos a atitude do nosso interesse.Serve-se, não quem se respeita, mas quem se vê no poder.Um governador civil dizia: - «É boa! dizem que sou sucessivamente regenerador, histórico, reformista!... Eu nunca quis ser senão - governador civil!»Este homem tinha razão, porque mudar do sr. Fontes para o sr. Braamcamp não é mudar de partido; - ambos aqueles cavalheiros são monárquicos e constitucionais e católicos.A desgraça é que, se em Portugal existissem partidos republicanos, monárquicos, socialistas, aquele homem, assim como fôra sucessivamente reformista, histórico e regenerador, - isto é, as coisas mais iguais, seria republicano, monárquico e socialista, - isto é, as coisas mais contraditórias...........**********...
in As Farpas,
Junho 1871...