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31 de maio de 2008

Discurso no Parlamento

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Às estrelas
Vou falar das crianças famintas
E gritar quantas
De entre elas
Morrem de fome
Antes mesmo de terem um nome
Décio B. Mateus
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José de Pádua

Um dia, encho-me de coragem
E vou mesmo discursar no parlamento

Confesso que fiz juramento
De ir a pé até lá
De entrar naquela sala,
Para discursar a minha mensagem

Um dia, apareço nas câmaras da televisão
Verdade mesmo, não é ilusão
Apareço com o meu rosto maltratado
Com o meu rosto de drogado
Para pedir um ponto de ordem
Aos senhores deputados,

Eu mesmo que vivo do outro lado da margem
Já sei que vão olhar com indignação
Para os meus pés descalços
Para os meus calções rotos
E para os meus magritos braços
Já consigo imaginar os vosso rostos
De indignação e estupefacção

Mas mesmo assim eu vou mesmo discursar
Em plena assembleia nacional
Assim mesmo, com este meu visual
De menino de rua votado ao abandono
De menino de rua, cão sem dono
Eu vou à assembleia nacional falar

Assim mesmo, sem convite
E sem ser chamado
Eu, que não sei falar português de escola
Vou entrar naquela sala
Para falar com os senhores deputados
Eu vou lá sem convite, acredite!

E antes de me porem a andar à paulada
Antes de me mandarem calar à porrada
Vou rasgar o meu peito
Para vocês escutarem o grito
De tanto sofrimento vivido
De tanto sofrimento bebido

E enquanto estiver a ser arrastado
Para fora da assembleia nacional
Eu, menino de rua, cão sem dono e drogado
Eu, menino de rua, marginal
Ainda terei coragem
Ainda serei capaz
De trovejar a minha mensagem:

POR FAVOR, PÃO, TECTO E PAZ!

Não levem a mal
Mas eu vou mesmo discursar em plena assembleia nacional!

Décio Bettencourt Mateus
in "A Fúria do Mar"

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«O poeta nasce do ar que respira!
E o ar que o poeta respira são as situações agradáveis, difíceis e tristes, quer de ordem material, social, emocional ou outra. A minha poesia começou a manifestar-se numa altura em que era professor e experimentava inúmeras dificuldades de ordem material pois o salário era
simbólico!
Então descobri na poesia uma forma de erguer a minha voz».


«««««<>»»»»»



DÉCIO BETTENCOURT MATEUS
Licenciado em Geofísica pela Faculdade de Ciências da Universidade Agostinho Neto, no ano de 1998. Cumpriu o serviço militar obrigatório entre 1986 e 1992, tendo atingido o grau militar de capitão. Foi professor Pré-Universitário e do ensino de base, tendo leccionado as disciplinas de Física e Matemática.
Actualmente trabalha na Industria Petrolífera.

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30 de maio de 2008

Aos amigos da Recalcitrante





A TODOS OS AMIGOS QUE PASSAM POR ESTE ESPAÇO
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OBRIGADA EM MEU NOME ...
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OBRIGADA EM NOME DO ROMÉRIO RÔMULO...
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romério rômulo disse...
.meg:
quero me juntar a você no agradecimento a todos que são amigos deste blog onde a poesia conta com um espaço especial. um grande abraço.
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romério rômulo
.30 de Maio de 2008 16:35
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Volto logo que possível para vos visitar e dar as respostas em falta.
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Meg
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25 de maio de 2008

A Paixão do Poeta

ROMÉRIO RÔMULO
LEIA ESTA ENTREVISTA... DE VIDA


meg:desta vez não será possível responder a cada um dos comentários,em função de outros trabalhos.mas procurarei, sempre que possível, entrar no blog e falar sobre um conjunto de comentários..
meu abraço carinhoso.romério
"Uma das flores mais bonitas que conheço é a do pequizeiro."
a paixão do poeta1.

posso envernizar minha paixão.
posso dar-lhe uma nesga de brilho.
poli-la como aos sapatos burgueses,
os tecidos que encantam os salões,
as lantejoulas que efervescem a noite.
posso mesmo escavá-la como se faz com o furúnculo,
e, adentrando o seu pus,
arrebentá-la nas encostas de mim.
posso derivá-la em vida, cachoeira viva
que nunca será rio

posso então, o quê!

nada, nada posso
que não seja a sua própria carne,
seus espasmos,
sua efusiva e momentânea fúria.

de tudo
o risco na pedra
vai dizer.
e só.


2.

a fúria, a tortura, os desejos
são caldos que engrossam a noite.
tensos, passamos pó sobre as feridas,
lambemos nossas almas de pedra,
reviramos cada estalo, cada medo.

os ruídos adentram nossa veia
como fogo da morte.
nada nos diz o silêncio. sobre nós
as formigas ressaltam seus desejos.

a chuva perdida sobre as portas
entrava as dobradiças, enferruja os homens.
a veia de minas, o chão de minas,
nos contunde.
resta buscar o que sobrou do amor





"Escrever poesia é algo caudaloso para mim, tenho sempre uma quantidade expressiva de textos e ao mesmo tempo que estou criando, retrabalho permanentemente os que já fiz","É a única forma escrita na qual sei me expressar, então representa um
desafio no sentido de realizar uma comunicação pessoal.

E especialmente esse género me atrai por ser uma fonte de busca de uma linguagem nova.
Desde sua origem a poesia traz como marca o fato de ser um campo de surgimento de expressões renovadoras da linguagem"

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"É um livro mais autobiográfico, voltado para a terra" R.R.
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O poeta Romério Rômulo publicou sua última obra em 1996, "Tempo Quando"(quatro livros em dois volumes). O hiato de dez anos não significa uma crise criativa. Basta dizer que na última década ele escreveu mais quatro livros e apresenta agora o primeiro da safra, "Matéria Bruta", lançado pela editora paulista Altana. Mineiro de Felixlândia que vive entre Ouro Preto " onde é professor da Ufop " e o Rio de Janeiro, Romério cresceu na região do São Francisco, numa paisagem marcada pelo rio e o cerrado.
Nos anos 1960 foi estudar em Ouro Preto e desde então convive com o cenário histórico que se tornou outra de suas referências. Dessas geografias se originam "Matéria Bruta". A relação de Romério com a poesia é de necessidade e desafio. Ele relaciona essa condição histórica da poesia ao universo em que sempre conviveu, do sertanejo. "É um homem que traz essa capacidade de criar expressões para definir as coisas", compara, acrescentando que busca esse "ritual sertanejo" quando se debruça sobra a escrita poética,combinando isso à procura de um rigor de linguagem "que chega aincomodar".
O livro tem prefácio da professora Dulce Maria Vianna Mindlin que, segundoRomério, está coordenando um grupo de estudos de outros professores universitários sobre sua obra poética.
Para Dulce, "Matéria Bruta" apresenta um poeta "em diálogo consigo mesmo, com suas vivências, com suas experiências. A apropriação pelo discurso dos fragmentos que virão a constituir esse sujeito é fato que salta aos olhos. A "apreensão" de um real, mesmo que passado, exibirá sua funcionalidade inquestionável na constituição deste sujeito presente que
, numa salutar tagalerice poética, traz à tona um mundo de experiências vividas".
Júlio Assis
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Meu amigos, leiam esta importante entrevista dada por
ROMÉRIO RÔMULO
http://www.germinaliteratura.com.br/pcruzadas_triptico_rr_set07.htm

romerioromulo@hotmail.com
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romério rômulo to me

22 de maio de 2008

As Mulheres de Meu Pai




"Nunca senti a necessidade absoluta de escrever – como de comer, ou de fazer amor. Escrever é quase sempre um prazer enorme, mas não uma urgência, ou uma angústia como imagino que seja um cigarro para um fumador."
José Eduardo Agualusa
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Faustino Manso, famoso compositor angolano, deixou ao morrer sete viúvas e dezoito filhos.
Em As Mulheres do Meu Pai, realidade e ficção correm lado a lado, a primeira alimentando a segunda.
Nos territórios que José Eduardo Agualusa atravessa, porém, a ficção participa da realidade.



[...]
"Recua quando lhe toco. Insisto.
Toco-lhe ao de leve no cabelo enquanto dorme. O meu amor tem uma cabeleira forte e lisa.
Afundo devagar os dedos nela, até à raíz, e aí é suave e densa. Cheiro-lhe o cabelo, cheiro-lhe a nuca, e ela suspira.
Fala, enquanto dorme, numa língua que não compreendo. Fico acordado a vê-la dormir.
Tem sido assim nestas últimas noites. Adormeço exausto, quando a primeira luz se acende nos lençóis.
Acordei suspensa numa luz oblíqua.
Virei a cabeça e dei com o rosto de Mandume. Dormia.
A dormir, Mandume volta a ser um menino. Quando o vejo assim sinto vontade de o abraçar. Queria amá-lo como no princípio de tudo. Sou um tipo que se apaixona com facilidade. Também desanimo, verdade seja dita, com idêntica facilidade.
Volúvel, acusa a minha mãe. Talvez.
O que me atrai numa mulher é o que não sei sobre ela. Algumas mulheres usam o silêncio como quem veste uma burqa.
Um homem fica a imaginar o que existe por detrás daquele silêncio pesado e escuro e sem frestas, que mal deixa adivinhar a forma do pensamento.
Imaginar já é amar.
Há, depois, as mulheres que falam, mas com uma voz de tal forma sedutora, levemente rouca e ao mesmo tempo luminosa, que é como se não falassem, pois nós, os homens, apenas conseguimos reparar na voz, e não naquilo que elas dizem.
"Como podes apaixonar-te por alguém que não conheces?", aborrece-se a minha mãe.
Precisamente, digo-lhe, ninguém se apaixona por um conhecido. O que eu acho, aliás, é que a paixão termina no momento em que se conhece o outro. Creio que era Nelson Rodrigues que dizia que se todos conhecessem a intimidade uns dos outros ninguém cumprimentaria ninguém.
Evidentemente, existem depois aquelas mulheres que nos seduzem pelo brilho do pensamento. Ainda neste caso chega o momento em que viramos a última página.Reler um clássico pode ser um exercício agradável, sem dúvida, mas descobrir um jovem autor suscita outra emoção.
As mulheres que pensam são as mais perigosas (espero que este meu diário não caia nunca nas mãos de uma mulher).
Gosto daqueles lugares onde não se passa nada. Evidentemente, gosto deles enquanto passo, passo a passo, num passeio lento, ou sobre rodas, num rápido deslizar.
Gosto do silêncio estático, da luz parada, nos vários tons da ferrugem - uma velha fotografia manchada de lágrimas.
Um soluço sacudiu-lhe o frágil corpo. Levantei-me, dei dois passos e ajoelhei-me junto dela. Afundei o rosto no seu colo. Senti as mãos de Alima a deslizarem, leves borboletas, sobre o meu cabelo. O colo da minha mãe cheirava a incenso e a maresia.
Chorámos as duas. Um cansaço veio descendo sobre mim, uma vontade de esquecimento, de não haver tempo nem universo, nem a sombra de um Deus sobre tudo isso.
Entretanto envelheci. Compreendi o óbvio.
A verdadeira beleza não se pode aprisionar, não se repete, e não se prevê. Um arco-íris será belo enquanto permanecer indomável."[...]
José Eduardo Agualusa
As Mulheres de Meu Pai
(excerto)
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As Mulheres de Meu Pai é um livro de José Eduardo Agualusa, que relata uma série de histórias fantásticas, vividas por este pai, em países da África, aonde ele se relacionou com diversas mulheres.
A filha mais nova, Laurentina, realizadora de cinema tenta reconstruir a atribulada vida do falecido músico.
As quatro personagens do romance que o autor escreve, enquanto viaja, vão com ele de Luanda, capital de Angola, até Benguela e Namibe.
Cruzam as areias da Namíbia e as suas povoações-fantasma, alcançando finalmente Cape Town, na África do Sul.Continuam depois, rumo a Maputo, e de Maputo a Quelimane, junto ao rio dos Bons Sinais, e dali até à ilha de Moçambique...
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19 de maio de 2008

Mães de Maio


DESTAQUE
EM RESPOSTA A ESTE POST RECEBEMOS A VISITA DA PRÓPRIA AUTORA, QUE NOS DEIXOU O COMENTÁRIO A SEGUIR
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"Surpresa estou eu e agradecida pela divulgação!! Nossas mães são verdadeiras heróinas, e a história um dia há de coroa-las, enquanto esperamos a história, nós as coroamos com palavras, versos, sentimentos!!!"
Anna Mathaya
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MÃES DE MAIO



É cedo demais para desistir!
É o clamor das mães por seus filhos
Na luta pela vida, pelo amor, Um direito!
Solidárias, decididas juntam-se a eles
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Negam o direito enquanto abstracção
Buscam a essência do homem. Ser humano!
Sustentam-se em quimeras faraónicas
Na precariedade insolente do tempo
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Da história retiram o imponente alento
Dos que sem posse e sem pompas
Limitados pela carne instigaram o amor
Deixando rastros e trilhas de sangue. Ódio!
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Fogem do prazer descartado da libido
E o sepultam na sagacidade da alma
Da beleza de mulher e força de mãe
Apenas restam as marcas do tempo. Renúncia!
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Em quimeras visitam os Mayombes
Kuymas, Késsuas e Kuanavales...
Tentam neles rebuscar sua essência. Sonho!
Mas ela se perdeu, aí não mais vive.
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Cúmplices do tempo ainda buscam o direito
E é da recôndita sapiência da alma
Que ouvem o grito simultâneo de outros filhos:
“NÓS AINDA NÃO DESISTIMOS MÃE”.
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Esperança!
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©Anna Mathaya. In E.S 2002
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Anna Mathaya (economista, teóloga e poetisa angolana)

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“A semelhança das mães da Praça de Maio na Argentina, de nossa terra também se ouve o clamor e a dor das mães, brigando pelo direito dos filhos, dos que ainda vivem, e daqueles cujos nomes a vida ofereceu ao anonimato e à história.
Mas a própria história, um dia, far-se-á juiz do tempo, do direito, da vida......
Ainda há esperança, e a esperança somos nós! MÃE ANGOLA!”
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SOU A ETERNA CONQUISTA DE DEUS, EU SOU FRAGMENTOS DE MIM MESMO,
SOU RETALHOS JUSTAPOSTOS, ALGUMAS VEZES INCOERENTES,
MAS EM TODOS ELES A CONSTÂNCIA DO MEU EU...
ESSA SOU EU, UMA SÍNTESE DE MÚLTIPLAS DETERMINAÇÕES!
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©Anna Mathaya. In E.S 2002
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16 de maio de 2008

Canto uma Canção

QUER COMENTAR ESTA IMAGEM?
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Maria Azenha





Canto a canção do homem livre.
Canto os sonhos e pesadelos.
Canto o irmão branco
e o irmão negro.
Canto o Oceano e o longo
poema do mar.
Canto e fortaleço-me no azul.
Canto ouvindo cantar.
Esta é a canção do homem livre.
E ninguém ousa calar-me.
Quantos quererão cantar comigo?
Quantos mais?
Mandai-me todos estes homens e mulheres
que não têm abrigo.
E eu os cantarei.
Outros que se ocupem de outras coisas.
Há muito trabalho em todos os lugares.
Não somos porventura mais que meia dúzia?


O meu nome dizem os rapazes
das montanhas,
alcança a outra margem.
Vai a casa dos mendigos.
Eu sempre os cantarei.


Já disse.
Eu só vim para cantar.
Outra coisa não sei fazer.
Cada som que sai
vai a todos os pontos cardeais.
Vai a casa dos poderosos
e a casa dos humildes.


Entra pela janela dos humilhados,
e canta pelos oprimidos.
Uma canção livre vai a muitas milhas em redor.


Já disse.
Eu só vim para cantar.
E cada um habitará a canção a seu modo.


Eu canto então uma canção livre.Maria Azenha










Maria Azenha
Maria da Conceição da Silva Rodrigues Azenha nasceu em Coimbra em 29 de Dezembro de 1945.
Licenciou-se em Ciências Matemáticas pela Universidade de Coimbra.
Exerceu funções docentes nas Universidades de Coimbra, Évora e Lisboa e em escolas secundárias.
É actualmente professora de Matemática na Escola de Ensino Artístico António Arroio.
Escritora, membro da Associação Portuguesa de Escritores (APE)e da Associação Fernando Pessoa.
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ADENDA:
Maria Azenha, qual Fernando Pessoa, criou vários heterónimos.
Querem descobri-los ou preferem saber aqui?
É um desafio ou uma partida, como quiserem...
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Mïr disse...
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(sobre os heterónimos de Maria Azenha)


É verdade, tais como
Alexandra Kräft- Ana Soares- Maria do Templo- Ana Belo-
Sophia de Carvalho
e ainda um semi-heterónimo,
alguns deles tive a sorte e privilégio de os ouvir de viva voz
Á Kräft, já publicou: "Concerto para o fim do Futuro"
.Maria Azenha escorrega-nos das mãos...Obrigada e bem haja!

17 de Maio de 2008 20:44.


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PARABÉNSMïr

12 de maio de 2008

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MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
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Devido ao seu temperamento, adere, sobretudo, ao simbolismo.
Por isso, e da mesma forma que Verlaine proclama,
de la musique avant toute chose”,
encontramos na poesia de Sá Carneiro a anarquia das regras
e a excentricidade temática
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Mário de Sá Carneiro, por Almada

MONÓLOGO


BEIJOS


«Beijar!» linda palavra!... Um verbo regular
Que é muito irregular
Nos tempos e nos modos...
Conheço tanto beijo e tão dif'rentes todos!...
Um beijo pode ser amor ou amizade
Ou mera cortesia,
E muita vez até, dizê-lo é crueldade
É só hipocrisia.

O doce beijo de mãe
É o mais nobre dos beijos,
Não é beijo de desejos,
Valor maior ele tem:
É o beijo cuja fragrância
Nos faz secar na infância
Muita lágrima... feliz;
Na vida esse beijo puro
É o refúgio seguro
Onde é f'liz o infeliz.

Entre as damas o beijo é praxe estab’lecida,
Cumprimento banal – ridículos da vida!
–:(Imitando o encontro de 2 senhoras na rua)
– Como passou, está bem? (Um beijo.) O seu marido?
(Mais beijos.) – De saúde. E o seu, Dona Mafalda?
– Agora menos mal. Faz um calor que escalda,
Não acha? – Ai Jesus! que tempo aborrecido!...
Beijos dados assim, já um poeta o disse,
Beijos perdidos são.
(Perder beijos! que tolice!
Porque é que a mim os não dão?)
O osculum pacis dos cardeais
É outro beijo de civ’lidade;
Beijos paternos ou fraternais
São castos beijos, só amizade.
As flores também se beijam
Em beijos incandescidos,
Muito embora se não vejam
Os ternos beijos das flores.
Há outros beijos perdidos:
Aqui mesmo,
Há aqueles que os atores
Dão a esmo,
Dão a esmo e a granel...
Porque lhes marca o papel.
– Mas o beijo d’amor?
Sossegue o espectador,
Não fica no tinteiro;
Guardei-o para o fim por ser o «verdadeiro».
Com ele agora arremeto
E como é o principal,
Vai apanhar um soneto
Magistral:
Um beijo d’amor é delicioso instante
Que vale muito mais do que um milhão de vidas,
É bálsamo que sara as mais cruéis feridas,
É turbilhão de fogo, é espasmo delirante!
Não é um beijo puro. É beijo estonteante,
Pecado que abre o céu às almas doloridas.
Ah! Como é bom pecar co’as bocas confundidas
Num desejo brutal da carne palpitante!
Os lábios sensuais duma mulher amada
Dão vida e dão calor. É vida desgraçada
A do feliz que nunca um beijo neles deu;
É vida venturosa a vida de tortura
Daquele que co’a boca unida à boca impura
Da sua amante qu’rida, amou, penou, morreu.
(Pausa – Mudando de tom)
Desejava terminar
A beijar a minha amada,
Mas como não tenho amada,
(A uma espectadora)
Vossência é que vai pagar...
Não se zangue. A sua face
Consinta que eu vá beijar...
......................... (atira-lhe um beijo)
Um beijo pede-se e dá-se,
Não vale a pena corar...
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[Mário de Sá Carneiro]
in Monólogo


Mário de Sá
Carneiro
nasceu em Lisboa no ano de 1890.
Frequentou o curso de Direito em
Coimbra (1911-1912) mas, desiludido partiu para Paris, para continuar os
estudos.
Porém, preferiu a vida boémia dos
espectáculos, das ruas e dos cafés (o parisiense Café de la Paix, de que Sá
Carneiro era cliente, tem desde 1900 uma placa evocativa do poeta).
Na capital francesa, a que chamou “cidade da minha ternura” cultivou uma vida singular, valendo-se da
protecção paterna e ligando-se a uma rapariga de rua, Heléne. Em 1916, a viver
no Hotel de Nice (Montmartre, Paris), suicidou-se com cinco frascos de
estricnina tendo convidado um amigo seu, José de Araújo, para lhe assistir à
agonia.


Montmartre

Fernando Pessoa, com quem Sá
Carneiro mantinha uma forte amizade, desde 1912, escreveu:
Génio na arte, não teve Sá
Carneiro nem alegria nem felicidade nesta vida. Só a arte, que fez ou que
sentiu, por instantes o turbou de consolação. São assim os que os Deuses fadaram
seus. Nem o amor os quer, nem a esperança os busca, nem a glória os acolhe. Ou
morrem jovens, ou a si mesmos sobrevivem, incolas da incompreensão ou da
indiferença. Este morreu jovem, porque os Deuses lhe tiveram muito
amor.
Segundo Fernando Pessoa, Mário de
Sá Carneiro, teve uma vida miserável, dedicada à arte e preso ao facto de ser um
génio.
Era adorado pelos Deuses, e por
isso sofria neste mundo de humanos.
Sá Carneiro era mais do que
humano, era um ser dotado de sensibilidade e inteligência.
Vivia aliado deste mundo, agarrado
às suas verdades que todos nós temos por mentira.
Era um inovador no seu tempo e
sofreu na sua grandeza como se não conseguisse gritar toda a sua sabedoria e
tivesse morrido sufocado nela.
Segundo Pessoa, Sá Carneiro viveu
num tempo em que qualquer privilégio era um castigo:
Nada nasce grande que não nasça amaldiçoado,
nem cresce de nobre que não se definhe, crescendo…
Se assim é, assim seja!
Os Deuses o quiseram assim.”
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8 de maio de 2008

OS MEUS PÉS DESCALÇOS
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Os meus pés andantes
Procuram a palanca real, palanca negra
E desencantam as quedas de Kalandula
Quedas da minha terra
Oh é bela Angola
É bela Angola e são felizes os meus pés caminhantes

Os meus pés empoeirados
Acariciam subsolo rico, ouro negro a jorrar no alto mar
Ouro negro a jorrar no offshore
E no onshore
Ouro negro a brotar
Das entranhas do mar, para os meus pés esfomeados!


Os meus pés garimpeiros
Apalpam tesouros e mais tesouros
Minas de diamante, ferro, cobre, prata, ouro…
Debaixo dos meus ásperos
Minas de diamante debaixo dos meus pés maltratados
Debaixo dos meus pés esfomeados

Os meus pés camponeses
Galgam a terra, terra boa de agricultura
Terra boa de verdura
E farta de feijão, mandioca, milho, batata…
Terra boa, terra farta
Debaixo dos meus pés famintos e felizes

Os meus pés pescadores
Banham-se em mares ricos
Mares de garoupas, corvinas, carapau, mariscos…
E mergulham em rios fartos, Kwanza, KubangoKeve, Bengo…
Águas fartas a banharem os meus pés sofredores
Os meus bolsos vazios
Vêem outros bolsos vazios aterrar desnutridos
E depois, bolsos cheios
A levantarem voo, a embarcar abastados
Bolsos cheios a embarcar com sorrisos
A embarcar abarrotados,
oh que paraíso!


Os meus pés descalços
Clamam por migalhas, clamam por pedaços
Os meus bolsos vazios
Não clamam por milhões, não clamam por rios
Os meus bolsos vazios e os meus pés famintos
Clamam somente por migalhas, de alimentos!

[Decio Bettencourt Mateus]

in Os Meus Pés Descalços


"Decio Bettencourt Mateus
Naturalizado e residente em Luanda, nasci em Menongue provincia do Kuando-Kubango, sul de Angola.
Desde muito cedo me habituei a ouvir vozes silenciosas no meu interior.
Desde muito cedo compreendi que tinha de colocar estas vozes no papel!
Décio Bettencourt Mateus**
(poeta angolano; poema retirado da obra “Os Meus Pés Descalços”)


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5 de maio de 2008

Breve Introdução ao Anarco-defecalismo





Visitei recentemente a província de Benguela na companhia de um jovem dinamarquês, Christian (vou chamá-lo assim) representante de um conhecido movimento ecologista europeu.
Enquanto atravessávamos a custo as ruas lamacentas, passando por bairros abandonados, respeitáveis casarões em ruínas, bandos de mendigos em andrajos, o jovem dinamarquês não conseguia ocultar a indignação.
A extrema miséria da população, num país produtor de petróleo e diamantes, horrorizava-o.
Em determinada altura, ao passarmos defronte ao Cemitério da Catumbela, demos com um grupo de cinco ou seis pessoas agachadas de encontro ao muro.
Envergonhado, tentei distraí-lo, chamando-lhe a atenção para uma rixa que ocorria do outro lado. Não consegui.
– Aquelas pessoas estão...
Achei que era demais. O meu brio nacionalista veio ao de cima:
– Não, não! – Retorqui. – Aquilo não é o que parece.
Trata-se na verdade de uma acção política.
– Acção política?
– Exactamente. Aquelas pessoas fazem parte de um movimento anarquista radical.
Chamam-se a si mesmo anarco-defecalistas.
Reúnem-se todos os dias, a determinadas horas, junto de instituições ligadas ao poder político ou religioso, para expressar a sua rejeição. Expressam-na desta forma.
Christian voltou-se para mim, maravilhado:
– Fantástico! Brilhante! Caramba, uma acção como essa está a anos luz do que nós fazemos lá na Europa. Ocupar casas velhas, pintar paredes, incendiar carros, acções assim parecem-me agora falhas de imaginação, até infantis, uma coisa de meninos de coro.
E como reage o poder? Os manifestantes são presos?
Disse-lhe que na nossa democracia avançada, tão avançada que, inclusive, prescinde da farsa burguesa das eleições, não existem – não podem existir – constrangimentos à liberdade de expressão.
As pessoas são livres de defecar onde bem quiserem. E fazem-no, na verdade, com extraordinária competência e determinação.
Christian abanou a cabeça, incrédulo. Viera a Angola na disposição de formar combatentes contra a globalização e o imperialismo, contra o capitalismo e o consumismo, e descobria que era ele, afinal, quem precisava de receber lições.
Perguntou-me se poderia formar uma secção do movimento anarco-defecalista na Dinamarca. Disse-lhe que sim, é claro, disse-lhe que os camaradas angolanos teriam certamente muito gosto em lhe ministrar um curso intensivo sobre os princípios e as técnicas do movimento.
Abraçou-me, entusiasmado, agradecido, quase em lágrimas.
Felizmente adoeceu nessa mesma tarde, com uma violenta crise de malária, e no dia seguinte seguiu para Luanda.
Creio que já terá regressado, entretanto, ao seu país.
[José Eduardo Agualusa]

4 de maio de 2008

AQUELA NEGRA... É MINHA MÃE




AQUELA NEGRA

De enxada em punho,

Lutando pela minha fome;

Aquela negra que jorra suores na minha sede

E que vai de lenha na cabeça

Porque o frio me consome;

Aquela negra

Pobre, sem nada,

Que vende os panos para me vestir;

Que chora nas ruas o meu nome;

Aquela negra é minha mãe.
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[EDUARDO bRAZÃO.]
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1 de maio de 2008

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“Um nome: Al Berto."
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"A poesia como ataque por todas as vias - droga, sexo, loucura, jogo, magia. Um fluxo de revelação… que desencadeia o modo diverso de enfrentamento da ocupação majoritária dos impulsos das práticas da vida”.
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Todos os meus livros tiveram um caráter de urgência
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Espelhando vivências de uma juventude errante, em deambulações por uma certa Europa marginal e underground – que o poeta cumpriu vivendo, entre o final da década de sessenta e a década de 70, numa comunidade urbana de Bruxelas e nos bas-fonds de Paris e Barcelona –, oscilando entre o excesso da experiência emocional e uma melancolia desolada e solitária, a obra de Al Berto reflecte a presença imaginária de Genet e Rimbaud na paixão urgente, na transgressão sexual, na vertigem autodestrutiva, na solidão, na experiência do deserto e da morte. [cais de poemas]
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aqueles que têm nome e nos telefonam
um dia emagrecem - partem
deixam-nos dobrados ao abandono
no interior duma dor inútil muda
e voraz
arquivámos o amor no abismo do tempo
e para lá da pele negra do desgosto
pressentimos vivo
o passageiro ardente das areias - o viajante
que irradia um cheiro a violetas nocturnas
acendemos então uma labareda nos dedos
acordamos trémulos confusos - a mão queimada
junto ao coração
e mais nada se move na centrifugação
dos segundos - tudo nos falta
nem a vida nem o que dela resta nos consola
e a ausência fulgura na aurora das manhãs
e com o rosto ainda sujo de sono ouvimos
o rumor do corpo a encher-se de mágoa
assim guardamos as nuvens breves os gestos
os invernos o repouso a sonolência
o vento
arrastando para longe as imagens difusas
daqueles que amámos mas não voltaram
a telefonar
"in Horto de Incêndio
..
.
Esta poesia tão viva foi escrita por um poeta que já se encontra morto, vítima ele mesmo da Sida, como aqueles companheiros que precisamente em seu poema Sida, já não mais lhe telefonam.
Não pôde Al Berto, assim, usufruir dos tratamentos mais avançados que surgiram logo a seguir, dando chance de continuarem activos grandes escritores seropositivos da contemporaneidade.
[Lucília Nogueira]


Al Berto, in O Medo
.em tempos li muitos livros, hoje raramente leio. os livros cansaram-me, devoraram-me a pouco e pouco o prazer de ler. o vento da noite traz imagens: um rapaz em calcário deitado no dorso dum cavalo azul perfura a claridade do mar. abro a janela do sonho, aceno-lhe, mas ele não me pode ver. uma ave de palavras escreve no espaço a remota sabedoria do voo, depois desce e vem pousar suavemente na palma da mão. olho-a mas não ouso tocar-lhe. acordo quando a ave e o rapaz se deitaram sobre a pele. abro os olhos e estendo a mão e o corpo para fora do sono, ergo-me por dentro do imenso vazio. tudo se despedaçou. o sonho , e o amor que é sempre tão breve.
o mundo dorme sob o vento. só eu continuo acordado, em vigília. se houvesse agora uma catástrofe eu daria por ela. levantar-me-ia daqui para encarar a morte, dizer-lhe que são inutilidades o que arrasta consigo. estou gasto. dei-me sempre mais do que podia.
não há nada que me possam roubar, sou um homem espoliado de todos os bens, de todas as
doenças, de todas as emoções. sou um corpo pronto para a viagem sem regresso, para o crime e para a morte. sou um corpo que se evita, um homem cujo nome se perdeu e cuja biografia possível está no pouco que escreveu. sou um corpo sem nacionalidade, pertenço às profundidades dos oceanos, ao voo da ave migrante. sou um alfabeto e não sei se terei tempo para me decifrar. lá fora anoiteceu. (...)

são raras as claridades que do meu sangue sobem ao rosto.
há um lume invisível no teu olhar, uma visão que o espelho me revela: cintilam cristais enquanto dormes, uma árvore cresce nos pulmões. assim construo as paisagens, assim te ofereço a morada de sossego e de prazer.
mas tu não vens, porque me és exterior. posso criar o universo inteiro a partir das minhascélulas, só não posso criar-te a ti, corpo que morre na falsa juventude dos espelhos…
… a paixão revelou-se-me no instante em que percebi que sabia quase tudo da vida, mas já não foi possível perder-me na tentação do suicídio
nunca amei e nunca fui amado: ignoro se isto é verdade, o mais provável é ter inventado, um dia, esta mentira, unicamente para me salvar. que horas serão para lá deste século? onde estaremos neste momento? estarei eu em ti ou serás tu que me devoras e me comoves? … teu nome, pronuncia teu nome para que seja impossivel esquecer-me do meu. diz-me o teu nome de ontem, quando éramos o reflexo exacto um do outro. toca-me o rosto com o teu nome, ou pousa-o sobre as mãos; debruça-te para dentro de mim e deixa que o segredo do tempo fulmine os ossos.
Al Berto, in O Medo


“Aterrador foi ter-me apercebido o que havia neste livro de premonitório. A eternidade não é lerem-me dentro de 50 ou 60 anos ou ficar na história da literatura portuguesa. Só espero que meia dúzia de doidos me leiam agora e isso os toque. A eternidade é uma permanência da força que está dentro de nós”.
o rumor do corpo a encher-se de mágoa


Al Berto -(1948 - 1997)Alberto Raposo Pidwell Tavares nasce em Coimbra a 11 de Janeiro de 1948. No ano seguinte já está em Sines, onde passa parte da infância e adolescência.
Poucos conhecem o seu lado escultórico, mas os amigos de infância ainda recordam os "bonecos" em argila que esculpia em casa, muito antes da António Arroio.
Teve sempre um ar extremamente irreverente para o seu tempo.
Filho de família da alta burguesia de origem britânica extraordinariamente conservadora, na sua adolescência, traja de modo displicente de calças de ganga e ténis rotos, para escândalo geral.
Terá sido a primeira afirmação da sua diferença intelectual.
Al Berto frequentou diversos cursos de artes plásticas, em Portugal e em Bruxelas, onde s
exilou em 1967.

A partir de 1971 dedicou-se exclusivamente à literatura.

Estreou-se com o título «À Procura do Vento num Jardim d'Agosto», 1977.
A sua poesia retomou, de algum modo, a herança surrealista, fundindo o real e o imaginário.
Está presente, frequentemente, uma particular atenção ao quotidiano como lugar de objectos e de pessoas, de passagem e de permanência, de ligação entre um tempo histórico e um tempo individual.
Posteriormente, os seus textos passam a apresentar um carácter fragmentário, numa ambiguidade entre a poesia e a prosa («Lunário», 1988; e «O Anjo Mudo», 1993)..
Foi distinguido em 1988 com Prémio Pen Club de Poesia pela obra «O Medo».
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"A eternidade é uma permanência da força que está dentro de nós"

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.Al Berto morre de linfoma em Lisboa a 13 de Junho de 1997
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