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16 de novembro de 2009

O Eufemismo

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Amadeo Souza-Cardoso
O emprego do eufemismo caracteriza certas camadas sociais. A um homem da plebe que comete um furto, as gazetas não hesitam em exprobar ao ladrão, ao gatuno, o roubo que praticou ; mas se um homem de alta sociedade cometeu o mesmo, o mesmo crime, então os redatores adoçam servilmente a frase e escrevem: desvio de fundos, fraude, alcance, etc...
O povo observou perfeitamente esta injustiça e fez sobre ela um provérbio admirável: "Quem as gazetas não hesitam em exprobar ao ladrão, ao gatuno, o roubo que praticou ; mas se um homem rouba um pão, é ladrão; quem rouba um milhão, é barão". Um homem do povo não se embriaga; isso é próprio da gente fina; o plebeu embebeda-se, e, empregando termos da gíria popular, toma a carraspana, o pifão, o pileque, fica grosso, colhe a trompa (gíria galega), etc. Se num salão aristocrático se ouvissem estes nomes, as senhoras corariam de indignação; se numa viela de Alfama, em Lisboa, alguém pronunciasse o vocábulo embriagar, era apupado e escarnecido – caso verdadeiramente o entendessem. O conselheiro Acácio, a famosa caricatura de Eça de Queirós, conhecia bem o valor do eufemismo e empregava-o constantemente. Diz dele o escritor: "Nunca usava palavras triviais; não dizia vomitar, fazia um gesto indicativo e empregava restituir". Até os ladrões entre si usam o eufemismo, como aquele ratoneiro duma novela de Castelao, que suavizou o termo roubar em apanhar: "Certa noite de caminho propuxo Barrote que fossem apanhar uas galinhas". – Os dous de sempre, 1ª edição, p. 60. Pode portanto dizer-se que há na linguagem uma dissimulação, uma espécie de hipocrisia – o reflexo de todas as atenuações, transigências e desigualdades que a vida social, como está constituída, nos impõe. M.Rodrigues Lapa, in Estilística da Língua Portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 1982. (excerto)
«««««o»»»»»
Manuel Rodrigues Lapa,
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filólogo, ensaísta e crítico literário português nasceu em 1897, oriundo de Anadia, e faleceu em 1989.
Licenciado pela Faculdade de Letras de Lisboa, doutorou-se com uma tese que ficou na história literária portuguesa como um dos estudos fundamentais sobre a lírica trovadoresca:
Das origens da poesia lírica em Portugal na Idade Média.
Tendo sido um opositor ao regime salazarista, em 1933 foi banido da faculdade onde leccionava e perseguido politicamente juntamente com outros intelectuais independentes.
Dirige, então, o jornal O Diabo e inicia a direcção da colecção Textos Literários, da Seara Nova, um importante contributo pedagógico, bem como inicia a colaboração nos Clássicos Sá da Costa.
Mais tarde foi obrigado a exilar-se em Paris, aquando o seu apoio a Norton de Matos, cidade onde continuará a sua actividade de investigador e professor até ao 25 de Abril, data que marca o seu regresso definitivo a Portugal.
. De salientar ainda na sua produção Lições de Literatura Portuguesa , Estilística da Língua Portuguesa e um livro de memórias, As Minhas Razões (Memórias de Um Idealista Que Quis Endireitar o Mundo) .
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38 comentários:

Nozes Pires disse...

Quando o rico está embriagado, diz-se «mal disposto»; quando se fala de um pobre, diz-se «Está bêbado».Boa, Meg!

CS disse...

Vou reeditar um glossário de muita actualidade neste momento e... nos momentos que se seguem.

O Puma disse...

Nos ministérios os chefes

não lêem jornais

estudam os jornais

Meg disse...

J.A.Nozes Pires,

Zé,
A língua portuguesa dá para tudo, valha-nos isso.
Mas que é caricato, isso é!
Só a Ivone Silva é que generalizava... ESTÁ TUDO GROSSO!

Um abraço amigo

Meg disse...

Meu caro Cid,

E eu fico à espera, com todo o interesse, de o ver publicado no teu blog

AS PALAVRAS SÃO ARMAS

(os amigos podem encontrá-lo na minha lista de blogs que recomendo)

Um abraço

Meg disse...

Puma, meu caro,

Eu acho que eles não lêem nem estudam, ahahah!!!
Estão ocupados com outras actividades relacionadas talvez com os partidos. Penso eu!

Um abraço

BAR DO BARDO disse...

Gosto do Rodrigues Lapa. Muito. Não lhe sabia a história de vida.

Obrigado!

Mª João C.Martins disse...

Um texto muito interessante que serve de base para uma análise bem realista da conjuntura actual.

Obrigada pelas palavras, será sempre um prazer recebê-la no meu cantinho, Meg!
Voltarei, claro...,volto sempre aos lugares que gosto!

Um beijinho

José Lopes disse...

As diferenças existem para diferenciar as "castas", mas por vezes isso torna-se útil para os conhecermos, aos corruptos.
Cumps

Meg disse...

Bar do Bardo,

Henrique,
Creio que também não é muito conhecido por cá, por isso o trouxe aqui.

Um abraço

Meg disse...

Maria João,

O momento actual dá para confirmar a verdade deste texto.
Ouvimo-lo todos os dias.

Obrigada pela sua visita e pelas palavras simpáticas.

Beijinho

Meg disse...

Caro Guardião,

Mas nós o que temos é uma grande "casta de corruptos"!!!
Além das outras castas, claro!
Para todos os gostos.

Um abraço

amigona avó e a neta princesa disse...

Nem mais! Adocicamos conforme a casta!
Abraço

NAMIBIANO FERREIRA disse...

O eufemismo é uma figura de estilo que nos tempos que vao correndo deveria passar a chamar-se HIPOCRISIA.
A pobre teve um moco
a rica teve um menino....
Bjs

Meg disse...

Amigona...

É mesmo assim como dizes.

Obrigada pela visita...

Um abraço

Meg disse...

Caro Nami,

Dessa também gostei, ahahah!!!
Mas é verdade.
Olha convido-te a visitar o blog dum amigo AS PALAVRAS SÃO ARMAS, do Cid Simões, está nos meus links, e vais ler um belo glossário... acredita.

Um abraço, um kandandu

Agulheta disse...

Meg! Não conhecia o texto e posso dizer,muito realista e actual,análise bem feita e dos termos(palavras)usadas em todo o texto,realmente o pobre sempre será o pobre,o rico colarinho branco,se safa sempre.
Beijinhos
Lisa

CS disse...

Amanhã há mais.E se me tiras uma só palavra aviso a PJ.Eu sou muitAmau!

Sofá Amarelo disse...

Que pena não haver portugueses assim hoje em dia...

Meg disse...

Lisa,

Como vês, a língua portuguesa também tem classes...
Nós é que não pensamos muito nisto, a não ser quando nos cai à frente um texto como este...

E assim, sorrindo, pensemos!!!

Beijinho para ti

Meg disse...

Cid,

Assim o caso fia mais fino!
Alguém me enganou a teu respeito, ahahahah!!!

E se eu te der uma "prenda"!
Está na moda!!!!!

Um abraço

Meg disse...

Sofá Amarelo,

Bem vindo a este espaço. Ainda gostava de saber como veio cá parar! Até sou das que gosto de amarelo!
Pessoas como esta, ainda há, falta é saber onde estão.

Bem haja pela visita.

Bípede Implume disse...

Existem castas ah pois existem.
Basta ver a justiça. Ora Justiça, actualmente, é também um eufemismo.
E tu, minha amiga, sempre certeira.
Gostei demais desta tua escolha.
Beijinhos e boa semana.
Isabel

RETIRO do ÉDEN disse...

Bom dia,
Vim atrás do blogue da "São" gostei dos seus temas e espero voltar.
Bem-haja por retratar tanta verdade através da sua escrita escolhida, ou não.
Se cada um de nós "acordar"...e mudar um bocadinho que seja, o mundo vai mudando.
Tal como a plantinha, o bichinho da seda que parece estar a dormir e a nada fazer...quando chega o momento e à ordem de DEUS floresce, nasce e transforma-se. Assim é a humanidade.
Estamos em fase de grande transformação/metamorfose a todos os níveis.
O mais importante é não deixarmos que a nossa alma morra, e para isso não O esquecermos com a maior das sinceridades e honestidades.Sim porque comELE não há forma de EUFEMISMO porque nos conhece melhor que a nós próprios.
Forte abraço
Mer

Pena disse...

Simpática e Linda Amiga:
Uma narração perfeita e profunda sobre o eufemismo usando nos domínios da literatura (que por vezes, nos enfeitiça) com encanto, pureza e beleza.
De imensa significação que faz pensar.
"..."Certa noite de caminho propuxo Barrote que fossem apanhar uas galinhas"..."

Tudo o escreve é verdadeiro.
O Eufemismo surge e diferencia-se quando surgem estratos sociais diferentes.
Um Post genial, talentoso e muito reflexivo.
Adorei.
Parabéns sinceros.
Sempre a admirá-la e a respeitá-la.
Beijinhos amigos

pena

Bem-Haja, sublime escritora amiga.
MUITO OBRIGADO por poder comentá-la. É uma honra, acredite?

Meg disse...

Isabel,

Castas, minha amiga, se as temos!
Agora sobre a Justiça, nem vale a pena comentar, o último episódio foi mesmo há pouco, esta tarde...

Beijinho para ti...


ah... surprise!
http://meg-experimental.blogspot.com/
bj.

Meg disse...

Retiro do Éden,

Bem vinda a este espaço e muito grata pelas palavras tão amáveis.
Este é reakmente um texto que proporciona várias reflexões.
Por isso o escolhi, e também pela oportunidade.
Depois cada pessoa tira as suas conclusões.

Muito obrigada pela visita.

Um abraço

Meg disse...

Caro Pena,

Agradeço as suas belas palavras, não merecidas pois não sou escritora - quem me dera!

O texto é de Manuel Rodrigues Lapa, um homem brilhante,conforme pode verificar pelo breve apontamento biográfico que o acompanha.
O seu a seu dono, meu caro!

Agradeço a sua visita e a extrema gentileza das suas palavras.
Este blog está sempre aberto a quem nele se sentir bem.

Um abraço

Mariazita disse...

Querida Meg
Como defensora acérrima da pureza linguística...só poderia gostar, muito, de Rodrigues Lapa (não sabia tantos pormenores do seu percurso - obrigada por isso).
Concordo inteiramente com o teor do texto.
Todos nós sabemos que um pobre que rouba um pão é um ladrão; um rico que "desvia" milhões é um distraído (por isso não roubou mais ainda...)que cometeu um desvio de fundos.

"Pode portanto dizer-se que há na linguagem uma dissimulação, uma espécie de hipocrisia..." - concordo inteiramente, no fundo trata-se de pura hipocrisia.
É o retrato de uma sociedade que inverteu os valores que regem as pessoas de bem ; apenas vive de aparências.

Vou ficar por aqui. Com "conversas" deste tipo nunca mais me calo :)))

Um beijinho de boa noite
Mariazita

PS - Ontem fui conhecer o "Experimentalidades".
Gostei! Deixei comentário.

Ana Tapadas disse...

Meg:
Boa escolha para um bom post. Gosto do teu estilo...
Como deves perceber Rodrigues Lapa faz parte do meu mundo. Agora ando às voltas com a Literatura Medieval.
E eufemismo, agora, é bem o sinónimo de hipocrisia, ou dirão eles: «politicamente correcto.
Beijo

utopia das palavras disse...

Tantas palavras para a mesmíssima coisa...!

Não conheço muito de Rodrigues Lapa, mas este texto faz-me lembrar a poesia popular de António Aleixo e outros tantos poetas da terra, que tão bem retratam e retrataram os eufemismos!

Sempre pertinente, Meg!


Beijo

Renata de Aragão Lopes disse...

Quer algo mais refinado
que uma CPI?

É lamentável...

Um abraço,
doce de lira

Meg disse...

Mariazita,

É mesmo isso... e resumindo...

É o retrato de uma sociedade que inverteu os valores que regem as pessoas de bem ; apenas vive de aparências.

Beijinho para ti

Meg disse...

Ana,

Já, já percebi que te moves por estes caminhos trabalhosos.

Eufemismo e hipocrisia... qual a diferença?

Beijo para ti

Meg disse...

Ausenda,

Agora que me trouxeste à memória o António Aleixo, talvez tenhas razão!
Não tinha pensado nisso, mas...vou conferir agora.

Beijo para ti

Meg disse...

Renata de Aragão Lopes

Quer algo mais refinado
que uma CPI?

É lamentável...


Desculpe, não entendi.
É sobre o Eufemismo?

Lamento.

Anónimo disse...

sempre a apreender...
obrigado meg.
abraço do vale

Meg disse...

Duarte,

Desaparecido de novo, meu amigo?
Obrigada pela visita.
Espero que esteja tudo bem contigo.

Um abraço para ti também