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10 de julho de 2008

Sinto Vergonha de Mim




van Gogh

Sinto vergonha de mim
por ter sido educador de parte desse povo,
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.

Sinto vergonha de mim
por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez
no julgamento da verdade,
a negligencia com a família,
célula-mater da sociedade,
a demasiada preocupação
com o "eu" feliz a qualquer custo,
buscando a tal "felicidade"
em caminhos eivados de desrespeito
para com o seu próximo.
Tenho vergonha de mim
pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos "floreios" para justificar
actos criminosos,
a tanta relutância
em esquecer a antiga posição
de sempre "contestar",
voltar atrás
e mudar o futuro.
Tenho vergonha de mim
pois faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos
que não quero percorrer...
Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões
e do meu cansaço.
Não tenho para onde ir
pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir meu Hino
e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.
Ao lado da vergonha de mim,
tenho tanta pena de ti,
povo brasileiro!
[Cleide Canton]
*****
"De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem- se os poderes
nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto".

[Rui Barbosa]

«««««<>»»»»»

Este último trecho, de Rui Barbosa, é parte de um pronunciamento no Senado em 17 de Dezembro de 1914,
mas poderia ter sido escrito hoje...em Portugal.
******



Da escritora Cleide Canton e Ruy Barbosa... para reflexão
Ruy Barbosa de Oliveira, 1849-1923) foi um jurista, político, diplomata, escritor, filólogo, tradutor e orador brasileiro.

45 comentários:

Maria disse...

Sabes que estive a ver o debate sobre "o estado da nação" na AR, e apeteceu-me emigrar... para o Brasil...

Beijinhos

Laura disse...

Olá meg, uma curiosa leva a outra e...
Também sou como ele, sinto vergonha de mim, tal e qual porque estamos todos atolados em vergonha, desonra feita por uns quantos e pactuada por quase todos... Mas o que vale hoje em dia é a desonestidade a corrupção a ladroagem e por ai fora...Os bons valores que tanto me orgulho de passar aos meus filhos só faz com que eles tenham menos e vivam pior...pois os desonestos estão semrpe bem...é o que vejo...pelo menos quase todos, enfim..haja calma e vamos vivendo...
Beijinho da laura...

Mariazita disse...

Olá, Meg
É sempre bom vir aqui!
Cleide Canton, brilhante poetisa brasileira (os seus "versos sertanejos" , por exemplo, são uma delícia!) expressa neste poema um sentimento que é, hoje em dia, muito comum, não só em brasileiros como em portugueses.
Ruy Barbosa, falecido em princípios do Sec.XX, sempre foi um lutador em prol da liberdade e justiça. Se hoje fosse vivo não lhe faltariam motivos para continuar a lutar...
Obrigada por nos lembrares o que não podemos nem devemos esquecer.
Beijinhos
Mariazita

mundo azul disse...

...é verdade!
Muitos acontecimentos nos deixam indignados, tristes...Infelizmente, sabemos que são situações repetitivas...Gerações pós gerações...
Mas, penso que devemos amar nossa pátria e não se envergonhar dela e sim, dos homens que a conduzem!
Um texto bem reflexivo...Gostei!
Beijos de luz e um dia feliz...

Meg disse...

Maria,
Ficamos elucidadas ou não?
Já estou a fazer as malas.
Beijos

Meg disse...

Laura,
Obrigada pela sua simpática visita.

É o que temos um século depois das palavras do Ruy Barbosa, tal como no Brasil.
Espero voltar a vê-la de novo por aqui, Laura
Um abraço

Meg disse...

Mariazita,
Mas é dos homens que nos governam que temos vergonha. Pobre país, que não merecia tal.
Um abraço

Meg disse...

Mundo Azul

Bem vinda a este espaço.
O triste é termos hoje os mesmos problemas de há mais de um século.
Por isso temos de reflectir.
Um abraço

Laura disse...

Ah, antes de mais se queres uma fatiazita de bolinho de manteiga que ficou tão bom, tão bom que quase já se acabou e o que ia levar logo para o convivio com as amigas já está de lado, senão!... Ficou uma delicia mesmo sem crescer...

É verdade nina

todos deviamos unir
nossos corações
e ao céu pedir ajuda
para que o amor prevaleça
e a ninguém esqueça
que a honradez
o amor e a paz
deviam fazer parte
de ser português!...

Mas não será nunca assim senão fizermos a nossa parte... só que , se vamos reclamar levamos logo na cabeça...

se vamos refilar tornamos a levar na cabeça e assim..dizemos todos; deixa andar, mas está mal...
Um enorme abraço cheio de ternura, da, laura..

zef disse...

Eu, velho caturra, ainda vou pela capacidade de mudanças!
Um abraço

Meg disse...

Laura,
Bolo, e com manteiga, Laura!!
Olha eu vou fazer de conta que não disseste nada.

Sobre o deixar andar, não sei, tem de ser feita alguma coisa, Laura, que a coisa está preta.
Vamos esperar.
Um abraço

Meg disse...

Meu querido Zef,
Contesto! Velhos não, sábios isso sim.
Tantas vezes ultimamente me tenho lembrado de como são respeitados os velhos noutras paragens. Respeitados, ouvidos e mimados.
Aqui, o que somos? Um número, e esses malditos lares por aí...

Um grande abraço, meu velho!

Papoila disse...

Querida Meg:
Sentimos todos um pouco, por actos ou por omissão da denuncia dos mesmos.
Resta-nos os valores dos princípios e das ideias a somos fieis.
Beijos

Agulheta disse...

Meg. Que bom partilhares este poetisa brasileira,pois tem de igual modo bons como nós aqui... não conhecia Cleide Canton! fiquei a saber sobre ela.
Beijinho e bom fim semana,a gente se encontra Lisa

bsh disse...

Adorei... Ás vezes também sinto vergonha de mim, do mundo...

http://desabafos-solitarios.blogspot.com/

Meg disse...

Desabafos Solitários,

Seja bem vindo... parece-me que estamos de acordo, meu caro.
Obrigada pela visita e apareça sempre que lhe apetecer, será bem recebido.

Cumps

bettips disse...

Passar ... e reconhecer-te!
No poema-lamento e na raiva de nós.
O antes e o "agora" perfeito espelho.
Beijinhos, Meggy

DINAH RAPHAELLUS disse...

Meg,

Por ter sido indicada passo a indicar o seu blog e os que fazem parte desta lista, se aceitarem, podem usar o Selo "Premio Dardos" em sinal de admiração pela contribuição literária e cultural dos mesmos.
Visite meu blog e veja na barra lateral como salvar o selo e as regras do prêmio.



PARA NUNCA MAIS A GUERRA
http://namibianoferreira.blogspot.com/

CONVERSANDO COM AS PALAVRAS
http://conversandocomaspalavras.blogspot.com/

SOLITARIA543
http://solitaria543.blogspot.com/

RETRATO D’ALMA
http://retratodalma.blogspot.com/

REFLEXÕES
http://jamesemanuel.blogspot.com/

CORES & PALAVRAS
http://coresepalavras.blogspot.com/

LABIRINTO DO SOL E DA LUA
http://labirintodosoledalua.blogspot.com/

BRISA POÉTICA
http://brisapoetica.blogspot.com/

RECALCITRANTE
http://recalcitrantemor.blogspot.com/

EVASÕES
http://dove2.blogspot.com/

ALMA DE POESIA
http://almadepoesia2007.blogspot.com/

O ÉTER
http://oeter.blogspot.com/

INSÉTE
http://nadirzenite.blogspot.com/

HENRIQUE PEDRO POESIA
http://henriquepedro.blogspot.com/

LAST GOOD BAD IDEA…
http://lastgoodbadidea.blogspot.com/

Meg disse...

Querida Bettips,
Cada palavra um mimo, num tempo que vai e que vem... o meu tempo voltou atrás...
E a desesperança abafando a raiva.
Mas lutando com as poucas asrmas que já tenho.
Mil beijos para ti

Meg disse...

Querida Dinah,
Fico muito feliz por verificar que retomou a seu blog e que acabo de linkar.
Quanto ao prémio, as palavras de circunstância são escusadas e já nada dizem. O meu agradecimento, e por vir de quem vem, é muito emocional, como deve calcular.
Retribuo apenas com o muito carinho e apreço que tenho por por si.

Um grande abraço
da Meg

Anónimo disse...

A virtude até esmorece perante o pedestal em que puseram a desonra, a falta de palavra, os sentimentos e o amor.
As pessoas envergonham-se de dizer bom dia, de abraçar, de chorar, de sentir.

Amaral disse...

Meg
Mais um belíssimo poema. Continue sempre a dar-nos motivos de visita.
Boa semana
Abraço

Meg disse...

Amiga Padeira,
Como vês, estamos como há mais de um século.
Por quanto tempo?
Um abraço

Meg disse...

Amaral,
Obrigada pela visita sempre bem vinda.
Recordar para avisar, meu amigo.
Um abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

MEG
É lindissimo o poema que mexe fundo com a nossa identidade.
Porém, e ainda que o mal vença e seja vergonha ser gente inteira a procurar a justiça e a verdade, nunca devemos desistir e ir pelo caminho mais fácil. Devemos isso a nós mesmos ainda que à nossa volta as mãos se escondam das nossas.
Abraço

José Lopes disse...

Nunca me resignei ao Fado (destino) e vou lutando como posso para que o futuro seja melhor. Pode ser utopia, e até talvez tenha pago um preço elevado por ser assim, mas sinto-me bem, apesar de tudo.
Não encontrarei a perfeição, porque ela não existe, mas ainda vou acreditando que é possível mudar algumas coisas, com paciência e insistência.
Boa semana
Cumps

MPS disse...

Cara Meg

"O poeta é um fingidor..." Cleide Canton não se envergonha dela própria: arranjou maneira de esbofetear o Brasil (e todo o mundo), falando pretensamente de si. Porque se não resigna, não se cala. Por isso escreve assim, retomando em boa hora uma poesia de intervenção política e social para a qual há sempre tempo e lugar.

Se olharmos para trás no tempo, mesmo no prazo das nossas vidas, quantas vezes não sentimos, já, a mesma indignação que agora se apossou de nós?

Embora perfilhe boa parte das palavras de Cleide Canton (dentro da interpretação que fiz delas), as mensagens de teor apocalíptico incomodam-me, porque me parecem a opção do medo. Em tempos de mudança, que não entendemos bem porque não sabemos a que mundo ela nos conduzirá, o medo deveria ser a última das opções. Ceder ao medo é aceitar não participar do futuro.

Não tenho a certeza que Van Gogh tenha cedido ao medo. Nos seus breves anos, ele palmilhou anos-luz de distâncias. Para ele, foi o futuro que não chegou a horas. A mudança era ele e o mundo teve medo.

Um abraço

Maria Faia disse...

Amiga,

Passei somente para te desejar uma óptima semana e deixar-te um beijo amigo e solidário.

Um óptimo verão para ti.

Maria Faia

Meg disse...

Silêncio Culpado
Lídia,
Que sirva ao menos para abanar fortemente as nossas consciências.
A exaustão está aí. minha amiga!
Um grande abraço.

Meg disse...

Amigo Guardião,
Se não formos utópicos, que nos resta?
Gritar, gritar, clamar sempre.

Um grande abraço

Meg disse...

Querida MPS
Quando Cleide Calton se incomoda com as mensagens de teor apocalíptico, eu entendo-as mais como um estalo no rosto de um povo que se deixou adormecer.
Talvez a imagem seja forte, mas é assim que a sinto, com as minhas evidentes limitações.
Mas que havia e há razões para ter medo, não tenho dúvidas. lá como cá, HOJE... mesmo!
Como sempre, com muita gratidão lhe deixo um abraço.

Meg

Ps:MPS, já não tenho condições para prometer visitas, houve uma regressão... importante.
Mas um post haverá sempre. Para os amigos.
bjs

Meg disse...

Maria Faia,
Sei que estiveste aqui ontem, tinha acabado de me ausentar,
Tu és uma amiga de todos os momentos, e por isso mais grata ainda fico pela tua visita.
Uma boa semana para ti.

Um grande abraço

Zé Povinho disse...

Emigrar é uma possibilidade, mas apesar de tudo serei sempre português. Por vezes envergonho-me do legado que a minha geração vai deixar a esta terra, por isso barafusto com todas as minhas forças.
Boa semana
Abraço do Zé

f@ disse...

Todos sentimos vergonha um pouco... mas não há razão? Basta olhar à nossa volta e para dentro de nós...

Tanto a fazer a dizer.. mas tudo debruçado sobre os assuntos...
beijinhos das nuvens

Meg disse...

Amigo Zé,

Vamos reclamando, Zé, é o que nos resta. À vergonha já nos vamos habituando, não é?

Um abraço

Meg disse...

F@,

Realmente as coisas não mudam só com palavras.
Mas continuamos a tentar.
Obrigada pela visita.
Um abraço

Anónimo disse...

sério, reflexivo, o que nos remete aos dias de hoje. excelente post. meu abraço fraterno.

Carminda Pinho disse...

Meg
Sabes que vergonha... é coisa que normalmente não sinto.
Compreendo perfeitamente a mensagem do poema de Cleide Canton.
O texto de Ruy Barbosa, como dizes poderia ter sido escrito hoje, aqui em Portugal.
A verdade é que, vergonha não têm as nulidades, que nos governam, e nos têm governado ao longo destes anos.

Para ti, um abraço grande.

Meg disse...

Caro Fernando

Muito obrigada pela sua visita.
De facto parece que desde 1814 para cá, nada ou quase nada se passou.
Estou a acompanhar o que se está a passar aí desse lado do mar.

Um abraço

Anónimo disse...

Sentimos todos um pouco vergonha de nós mesmos quando o país se afunda porque afinal tudo estava nas nossas mãos.

José Lopes disse...

Hoje a passagem é mesmo só para cumprimentar e desejar Boa Semana.
Cumps

Meg disse...

Carminda,
Com vergonha ou sem ela não nos podemos orgulhar do que se está a passar neste país... e a culpa é nossa. Só nos atenua a culpa, o facto de termos sido ludibriados.

Um abraço

Meg disse...

Luisa,
É o que digo no comentário anterior. E agora? Será que para o ano não vai acontecer o mesmo?
Um abraço

Meg disse...

Caro amigo Guardião,
Agradeço~lhe a visita e tão atrasada estou que já lhe desejo um óptimo fim de semana.
E gosto sempre de o ver, mesmo de passagem.
Um abraço

pin gente disse...

ambos fantástico, meg

voltarei para ler de novo, quiçá lê-los com meus dois filhos mais velhos.

um abraço