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9 de outubro de 2008

Súplica



José de Pádua

SÚPLICA
.
Tirem-nos tudo,
Mas deixem-nos a música!
Tirem-nos a terra em que nascemos,
Onde crescemos
E onde descobrimos pela primeira vez
que o mundo é assim:
um tabuleiro de xadrez...
.
tirem-nos a luz do sol que nos aquece,
a lua lírica do shingombela
nas noites mulatas da selva moçambicana
(essa lua que nos semeou no coração
a poesia que encontramos na vida)
tirem-nos a palhota – humilde cubata
onde vivemos e amamos,
tirem-nos a machamba que nos dá o pão,
tirem-nos o calor do lume
(que nos é quase tudo)
– mas não nos tirem a música!
.
.
.
Podem desterrar-nos,
Levar-nos
Para longes terras,
Vender-nos como mercadoria,
Acorrentar-nos
À terra, do sol à lua e da lua ao sol,
– mas seremos sempre livres
se nos deixarem a música!
.
Que onde estiver nossa canção,
Mesmo escravos, senhores seremos;
E mesmo mortos viveremos.
E no nosso lamento escravo
Estará a terra onde nascemos,
A luz do nosso sol,
A lua dos shingombelas,
O calor do lume,
A palhota onde vivemos,
A machamba que nos dá o pão!
.
E tudo será novamente nosso,
Ainda que de cadeia nos pés
E azorrague no dorso...
E o nosso queixume
Será uma libertação
Derramada em nosso canto!
.
– por isso pedimos,
de joelhos pedimos:
tirem-nos tudo...
mas não nos tirem a vida,
não nos levem a musica!
.
.
. [Noémia de Sousa]
.
. Lourenço Marques, 4/1/1949
.
.
.
««««o»»»»
.
.
.

34 comentários:

José Lopes disse...

Mais um cheirinho da terra, com imagens do J. Pádua e um poema muito musical de Noémia de Sousa. Faz sempre bem ao espírito viajar até África e recordar o que de belo ficou na memória.
Cumps

Peter disse...

A musicalidade intrínseca dos povos africanos.

Meg disse...

Amigo Guardião,

É isso mesmo, estas viagens aliviam-nos um pouco, são como um balão de oxigénio. Só nós, os de lá, é que sabemos quanto.

Um abraço

Meg disse...

Caro Peter,

Os povos africanos têm esse dom fantástico de terem música a correr-lhes nas veias.
Inquestionável.

Um abraço

Moacy Cirne disse...

Um belo poema, mas boei em algumas palavras: shingombela, palhota, machamba - por sinal, bastante sonoras. Um cheiro.

Anónimo disse...

meg:
deixo um abraço para todos os amigos do blog.um beijo.
romério

Amaral disse...

Meg
Lindos quer o poema, quer as aguarelas.
Adorei.
Bom fim-de-semana
Abraço

Meg disse...

Caro Moacy,
Palavras, que, por vezes, também eu não conheço, como shingombela.
Mas vou procurar saber.
Palhota é a cabana feita e coberta de palha. Machamba é um pequeno terreno de cultivo, pequena horta.
Espero ter ajudado.
Cheiros e um abraço

Meg disse...

Querido Romério
Aqui deixo destacada a tua mensagem

romério rômulo disse...
meg:
deixo um abraço para todos os amigos do blog.um beijo.
romério


10 de Outubro de 2008 3:59

Um beijo

Meg disse...

Caro Amaral

As aguarelas de José de Pádua são uma alegria para os olhos e nada melhor para ilustrar este belo poema da Noémia de Sousa.

Um abraço

NAMIBIANO FERREIRA disse...

Meg, obrigado por trazeres a lembranca uma poetisa que andava arredada das minhas leituras poéticas. Bem hajas!!!
Bom fim de semana.
Abracos

NAMIBIANO FERREIRA disse...

Meg, depois de ler os vários comentarios alguém fez referencia a certas palavras, nao querendo ser metedico mas shingombela, por vezes também grafado jingombela, é um tipo de cancao do Maputo, o nome deriva de uma corruptela a partir da língua inglesa (jing on bells) creio estar certo mas aceitarei correccoes!!!
Bjs

Agulheta disse...

Meg. Que bem fez esta viagem até África,ler a poesia de um povo que muito sofreu,não conhecia a autora nem sua poesia.
Beijinho e bfs

Meg disse...

Caro Namibiano,

É verdade que Noémia de Sousa também pertence ao grupo dos autores menos divulgados. Daí este poema, pequena homenagem.

Um abraço

Meg disse...

Amigo Namibiano,
Quero agradecer-te a oportunidade do teu esclarecimento sobre a palavra "shingombela".
Na verdade era mesmo a ti que pensava recorrer... antecipaste-te, o que me deixou muito feliz.
É que não me lembro de alguma vez ter ouvido, LÁ mesmo, essa palavra!

Um abraço

Meg disse...

Lisa,

Ainda bem que gostaste... se acharem que sou insistente com as minhas viagens... têm de reclamar.
Mas não creio que alguém se canse de África.

Um abraço

Mariazita disse...

Um grande aplauso por publicares este poema, lindíssimo, duma poetisa de grande valor, mas pouco conhecida - Noémia de Sousa.
É o que acontece com a maioria dos poetas africanos - são pouco conhecidos.
É de louvar toda a divulgação que se lhes der, e que eles merecem.
As aguarelas sõa lindíssimas.
Beijinhos
Mariazita

jorge esteves disse...

Belissimo este poema; e um suave toque de perfeição este casar com uma pintura de encantar!...


abraços!

Filoxera disse...

Mesmo os momentos difíceis podem parecer mais fáceis se houver música.
(deixei um comentário ao teu, lá no meu canto).
Beijos.

Anónimo disse...

Que beleza de cantiga! Sem música como viveríamos? Que a "crise2 nos tire tudo mas não nos tire a música!!!!

Zé Povinho disse...

A musicalidade de África vertida em palavras. Gostei muito, como também dos desenhos.
Bom domingo
Abraço do Zé

Meg disse...

Mariazita,
E há tão boa poesia africana de expressão portuguesa!
Obrigada pelas tuas palavras.
Um abraço

Meg disse...

Tinta Permanente,

Muito obrigada pela visita e por ter gostado.
Um abraço

Meg disse...

Filoxera,
A vida sem música é um absurdo para qualquer africano. Corre-lhes nas veias como seiva.

Um abraço

Meg disse...

Luisa,
Agora disseste bem, que a crise nos deixe ao menos a música. Para sonhar.

Um abraço

Meg disse...

Amigo Zé,

Vida em África sem música é uma heresia... não há crise que acabe com a música, valha-nos isso.
E por cá, será que a música nos conforta?

Um abraço

vieira calado disse...

"seremos sempre livres
se nos deixarem a música!"

Compartilho da ideia.

Pela música é que vamos!

Bjs

Carminda Pinho disse...

Meg,

curioso é que eu tenho andado mesmo numa de música.:)

No espaço de uma semana fui a dois concertos, ao do Carlos do Carmo no Casino do Estoril, e ao do Fernando Tordo no Coliseu.
A música, especialmente a de expressão portuguesa, é para mim, um bálsamo para a alma.

Quanto à Noémia creio que já a tinha "visto" por aqui...e, gostei novamente.

Beijos

PS: Um destes dias dou notícias.

Moacy Cirne disse...

Uma simples curiosidade: em Portugal, vocês conhecem (bem) a música do Cartola, um dos fundadores da Escola de Samba Estação Primeira da Mangueira? Trata-se de um gênio do nosso cancioneiro pópular, que, se vivo, ontem teria completado 100 anos. Vários blogues, sítios e jornais do país renderam-lhe as devidas homenagens. Inclusive o Balaio, hoje. Beijos.

Meg disse...

Caro Vieira Calado

Obrigada pela visita e sou da mesma opinião.
Um abraço

Meg disse...

Carminda,
Pelo menos a música dá-nos alguns momentos de alegria. Assim no-la deixem para além da crise.
Estou admirada com a tua ausência lá no Fórum... e sem direito a comentários. Espero que esteja mesmo tudo bem.
Um abraço

Meg disse...

Caro Moacy,
Realmente eu não conhecia o Cartola, mas depois do que você falou, já encontrei vários sites onde se fala dele... vou-me debruçar sobre a vida dessa figura do samba.
Um abraço
Cheiro

C Valente disse...

não conhecia e adorei
Saudações amigas e boa semana

Meg disse...

Amigo Valente,
Fico feliz quando os amigos gostam do que aqui encontram. Obrigada pela visita e boa semana.
Um abraço