photo f76ad0d3-f0bd-4682-be7d-460653fdc66b.jpg

21 de outubro de 2008

A Outra Face

. . .
. . . Hás-de voltar aqui, hás-de sentir
a estupidez do mundo como um pêndulo
batendo a horas certas
ao ritmo dos dias, das semanas,
dos meses ou dos anos que, sem dares por isso,
hão-de passar velozes até dissolverem
o céu e o inferno e os teus últimos
rastilhos do orgulho. Hás-de aprender
a amar os que te odeiam
e a afogar a tua bílis negra
no caudal desse rio a que chamas
perdão ou esquecimento.
Hás-de voltar aqui, hás-de envergar
essa coroa de espinhos que te assenta
tão bem, hás-de mentir
de novo a essa gente, obedecer
com um sorriso inócuo ao seu tráfico
de pequenos conluios burocráticos,
às rasteiras da inveja, aos mais iníquos
crimes humanos – tudo isso
a que mais tarde alguém há-de chamar
simplesmente injustiça
Hás-de voltar aqui, hás-de
dar-lhes a outra face.
.
. [Fernando Pinto do Amaral] in «A Luz da Madrugada», Dom Quixote, 2007
.
.
.
.
«««««o»»»»»
.
.
.
Fernando Pinto do Amaral nasceu em Lisboa em 1960. Frequentou a Faculdade de Medicina, mas abandonou o curso, vindo a licenciar-se em Línguas e Literaturas Modernas, concluindo o Mestrado e o Doutoramento em Literatura Portuguesa. É Professor do Departamento de Literaturas Românicas da Faculdade de Letras de Lisboa. Publicou, desde 1990, cinco livros de poesia e dois volumes de ensaio. Prefaciou edições de poesia de Camões, Bocage, Antero de Quental, Cesário Verde, Ruy Cinatti, Tomaz Kim e Luís Miguel Nava, entre outros. Alguns dos seus poemas estão traduzidos e publicados em espanhol, francês, neerlandês, alemão, checo, inglês, búlgaro e turco. Em 1990 publicou o seu primeiro livro de poesia, "Acédia", a que se seguiram "A Escada de Jacob" (1993), "Às Cegas" (1997) e "Poesia Reunida 1990-2000". De entre os seus ensaios destaque-se "O Mosaico Fluido - Modernidade e Pós-modernidade na Poesia Portuguesa mais Recente" (1991). Traduziu, entre outros, Baudelaire, Verlaine, Borges, Gabriela Mistral. . . .
«««««o»»»»»
.
.
.

46 comentários:

Amaral disse...

MegBonito poema de um autor que gosto.Boa semanaAbraço

José Lopes disse...

Li pela primeira vez este poema, mas ainda não me sinto nessa situação, ainda não sou capaz de dar a outra face a quem me odeia nem fechar os olhos à estupidez do mundo. Desiludido, sim! Conformado, é que ainda não!
Cumps

f@ disse...

Belo este poema..inquietante,...bonito...
obrigada pela partilha...
Beijinhos das nuvens

Maria disse...

Continuas a dar-nos excelentes autores...
Obrigada, Meg.

Beijinho

zef disse...

Boa noite, Meg.
Está a custar-me digerir o poema. Mas foi fazê-lo, vou.
Um abraço

samuel disse...

Meg

Que bom voltar e ver que as coisas boas e bonitas de olhar e ler estão sempre aqui... esperando. Obrigado!

Abreijos

lupuscanissignatus disse...

antes

a face

da

insubmissão

Meg disse...

Caro Amaral,
Fernando Pinto do Amaral é um dos meus novos autores preferidos, também.

Um abraço

Meg disse...

Amigo Guardião,

Agora fizeste-me lembrar "O Crime do Padre Amaro", só que ele dava a outra face mas a seguir, uma tareia... rsrsrsrs

Um abraço

Meg disse...

F@,
É inquietante porque nos faz pensar, o que é bom.
Um abraço

Meg disse...

Maria,

Para que hei-de pôr-me a escrever se tenho quem o faça por mim? E assim vou dizendo o que sinto...

Um abraço

Meg disse...

Caro Zef,
Custa a engolir, não é verdade?
É mesmo por isso que temos de passar, não será verdade?

Um abraço

Meg disse...

Caro Samuel,
Obrigada pela visita e pelas tuas amáveis palavras. São um incentivo.

Abreijos para ti também

Meg disse...

Caro Lupussignatus,

Será que somos todos capazes se assumir a insubmissão? É a minha dúvida.

Um abraço

Moacy Cirne disse...

Um poema não se faz fácil como uma palavra jogada ao vento ou como um pêndulo cujos movimentos são por demais conhecidos. Um (bom) poema é o próprio vento - só que um vento que não pára de nos açoitar. Enfim, gostei de descobrir, aqui, mais um poeta que eu não conhecia. Em tempo: há mais Angola no Balaio. E um certo Sr. Maiakóvski (um dos meus poetas preferidos). E mais um certo Sr. Trotsky (a quem muito admiro). Cheiros.

Agulheta disse...

MEG.Que bonita poesia,de um autor que desconhecia,mas fizeste bem em partilhar.
Beijinho

Zé Povinho disse...

Uma maneira de encarar a vida, talvez pouco saudável nos tempos que correm...
Abraço do Zé

Pata Negra disse...

Que forma tu arranjaste de nos acompanhares a alma. A única coisa que não me caiu bem nesta poesia foi o´"hás-de", gosto mais do "hades"!
Um abraço que hades sentir

Meg disse...

Caro Moacy,
Suas palavras me deixam sempre muito honrada, por virem de quem sabe de poesia.
Também Maiakovski aparece aqui às vezes. Quem sabe se não está a chegar o tempo de ele voltar!

Beijos, queijos e cheiros

Meg disse...

Lisa,
É realmente um poeta da nova geração, que escreve muito bem, na minha modesta opinião.

Um abraço

Meg disse...

Amigo,

Não é uma forma saudável de encarar a vida, talvez seja a de muitos sobreviverem... quem sabe!

Um abraço para ti

Meg disse...

Caro Pata Negra,

Não foras tu e não teria dado uma boa gargalhada. O "hades" deixo-o para os coelhos e outra gente importante que não devia sofrer de iliteracia.

Um grande abraço

pin gente disse...

não conhecia.
obrigada, meg, gostei muitíssimo.
beijo
luísa

São disse...

Boa escolha, pois claro.
Fica bem.

MPS disse...

Cara Meg

Que terei eu feito ao comentário que escrevi aqui? Não o enciei, certamente. Já me não lembro do que disse, mas também não importa, porque hoje, sem me lembrar do poema (ou será que ele esteve presente sem que me desse conta?) decidi não colaborar numa certa carneirada profissional. Não hei-de voltar nem hei-de dar a outra face. Que o faça quem me bate, à minha mão que se não estende.

Um abraço

jorge esteves disse...

Muito interessantes, este poema!...

abraços!

Meg disse...

Pin Gente,
Não é de facto dos autores mais badalados, até porque pertence a uma nova geração de poetas.

Um abraço

Meg disse...

São,

Ainda bem que gostou.
Um abraço

Meg disse...

Cara MPS

Assim o fizesse toda a gente e estaríamos muito melhor, quem sabe!
Não dar a outra face, para muitos ainda é muito difícil...

Um abraço

Meg disse...

Tinta Permanente,

É realmente um poema interessante, mas não só.

Um abraço

bettips disse...

Sagres. A luz das tuas madrugadas. Descobres o sol, devagarinho, assim como quem não quer a coisa, Meggy!
Bjinho

Mariazita disse...

Querida Meg
Muito bonito, este poema de Fernando Pinto do Amaral.
Bastante forte, mas dos fracos não reza a história...
Como estive uns dias sem vir aqui(ando um pouco adoentada, não posso estar muito tempo no PC) vi também o post anterior.
Que beleza de poema! (Mia Couto tem um lugarzinho especial nas minhas preferências...) e que lindas paisagens.
E, já agora, que saudades de Moçambique, onde passei três anos.
África inesquecÍvel.
Boa noite, amiga. Dorme bem.
Beijinhos
Mariazita

Anónimo disse...

meg:
"hás de voltar".não conhecia o poeta e vejo que ele tem lastro.
precisamos articular melhor a relação portugal-brasil no campo da poesia.
meu abraço aos amigos aqui.
um beijo.
romério

De Amor e de Terra disse...

Minha querida Meg, boa noite!
Há muito que ando fugida, por tantas razões de que nem vale a pena falar...mas hoje, aqui estou!
Venho agradecer as tuas visitas, e ler o que me (nos) mostras, coisas belas que não conhecia; Obrigada Amiga, vou daqui mais rica.
Bom fim de semana e beijos da
Maria Mamede

Meg disse...

Querida Bettips,
Esta é uma imagem que daqui já bem conheces... o horizonte na ponta de Sagres. Bom lugar para meditar.

Beijos

Meg disse...

Mariazita,
Nós todas temos outros afazeres e nem sempre se proporciona o tempo para as "visitas"...o importante é a saúde, o resto é um hobby, minha amiga.
Quanto a Moçambique, como te entendo, passei lá muitos mais anos.

Um abraço

Meg disse...

Querido Romério,
Aceito sugestões para articular melhor a relação portugal-brasil no campo da poesia.A sério.

AGRADEÇO, COM CARINHO, O TEU ABRAÇO AOS AMIGOS DAQUI.

Um beijo

Meg disse...

Maria,
Que bom saber-te de volta.
Espero que desta vez permaneças mais tempo connosco. O importante é que estejas bem.

Um grande abraço

Bípede Implume disse...

Não precisamos de ir muito longe para encontrar a "estupidez do mundo como um pêndulo" Está ao virar da esquina, infelizmente.
É um novo poeta brilhante e casado com a não menos brilhante Inês Pedrosa.
Bom fim de semana, amiga, com tudo de bom.
Grnde abraço.

Meg disse...

Isabel,
Tens razão...tropeçamos na estupidez do mundo a todo o momento.
Dizes bem,um poeta notável.

Um abraço

Anónimo disse...

Um dia tudo será passageiro: 'tout casse,tout lasse, tout passe'...
Mas não sei se as mágoas cravadas se apagam ou se anestesiam.

Anónimo disse...

Estranhamento continuo a não conseguir postar com o meu nome, sai anónimo, como no comentário anterior. Aqui há gato!

Padeiradealjubarrota

Meg disse...

Anónimo Padeirinha (???)

As mágoas concerteza ficarão cravadas... não há anestesia suficiente, creio eu.

Um abraço








Um dia tudo será passageiro: 'tout casse,tout lasse, tout passe'...
Mas não sei se as mágoas cravadas se apagam ou se anestesiam.

Meg disse...

Padeirinha,

Afinal parece que o anonimato está ultrapassado. Desta vez vem perfeitamente identificada.

Não sei o que se está a passar, já hojr recebi mails de pessoas que não conseguem comentar...
Mistérios do Blogger.

Bom Domingo e um abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Meg
Não conhecia e vale a pena. Este poema tem toda uma força em que contém as reclassificações, os retrocessos e também toda a incoerência humana.
Sobre as nossas cabeças pende a espada que nos fará "voltar aqui" porque cada caminho é diferente sendo igual e cada contexto dita uma nova forma de emoção.
Escravos sempre. Como um túnel circular.

Beijos

Meg disse...

Lídia,
É realmente um poema bastante forte e nem sempre compreendido no seu objectivo.
É como tu dizes um túnel redondo.

Um abraço