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1 de maio de 2008

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“Um nome: Al Berto."
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"A poesia como ataque por todas as vias - droga, sexo, loucura, jogo, magia. Um fluxo de revelação… que desencadeia o modo diverso de enfrentamento da ocupação majoritária dos impulsos das práticas da vida”.
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Todos os meus livros tiveram um caráter de urgência
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Espelhando vivências de uma juventude errante, em deambulações por uma certa Europa marginal e underground – que o poeta cumpriu vivendo, entre o final da década de sessenta e a década de 70, numa comunidade urbana de Bruxelas e nos bas-fonds de Paris e Barcelona –, oscilando entre o excesso da experiência emocional e uma melancolia desolada e solitária, a obra de Al Berto reflecte a presença imaginária de Genet e Rimbaud na paixão urgente, na transgressão sexual, na vertigem autodestrutiva, na solidão, na experiência do deserto e da morte. [cais de poemas]
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aqueles que têm nome e nos telefonam
um dia emagrecem - partem
deixam-nos dobrados ao abandono
no interior duma dor inútil muda
e voraz
arquivámos o amor no abismo do tempo
e para lá da pele negra do desgosto
pressentimos vivo
o passageiro ardente das areias - o viajante
que irradia um cheiro a violetas nocturnas
acendemos então uma labareda nos dedos
acordamos trémulos confusos - a mão queimada
junto ao coração
e mais nada se move na centrifugação
dos segundos - tudo nos falta
nem a vida nem o que dela resta nos consola
e a ausência fulgura na aurora das manhãs
e com o rosto ainda sujo de sono ouvimos
o rumor do corpo a encher-se de mágoa
assim guardamos as nuvens breves os gestos
os invernos o repouso a sonolência
o vento
arrastando para longe as imagens difusas
daqueles que amámos mas não voltaram
a telefonar
"in Horto de Incêndio
..
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Esta poesia tão viva foi escrita por um poeta que já se encontra morto, vítima ele mesmo da Sida, como aqueles companheiros que precisamente em seu poema Sida, já não mais lhe telefonam.
Não pôde Al Berto, assim, usufruir dos tratamentos mais avançados que surgiram logo a seguir, dando chance de continuarem activos grandes escritores seropositivos da contemporaneidade.
[Lucília Nogueira]


Al Berto, in O Medo
.em tempos li muitos livros, hoje raramente leio. os livros cansaram-me, devoraram-me a pouco e pouco o prazer de ler. o vento da noite traz imagens: um rapaz em calcário deitado no dorso dum cavalo azul perfura a claridade do mar. abro a janela do sonho, aceno-lhe, mas ele não me pode ver. uma ave de palavras escreve no espaço a remota sabedoria do voo, depois desce e vem pousar suavemente na palma da mão. olho-a mas não ouso tocar-lhe. acordo quando a ave e o rapaz se deitaram sobre a pele. abro os olhos e estendo a mão e o corpo para fora do sono, ergo-me por dentro do imenso vazio. tudo se despedaçou. o sonho , e o amor que é sempre tão breve.
o mundo dorme sob o vento. só eu continuo acordado, em vigília. se houvesse agora uma catástrofe eu daria por ela. levantar-me-ia daqui para encarar a morte, dizer-lhe que são inutilidades o que arrasta consigo. estou gasto. dei-me sempre mais do que podia.
não há nada que me possam roubar, sou um homem espoliado de todos os bens, de todas as
doenças, de todas as emoções. sou um corpo pronto para a viagem sem regresso, para o crime e para a morte. sou um corpo que se evita, um homem cujo nome se perdeu e cuja biografia possível está no pouco que escreveu. sou um corpo sem nacionalidade, pertenço às profundidades dos oceanos, ao voo da ave migrante. sou um alfabeto e não sei se terei tempo para me decifrar. lá fora anoiteceu. (...)

são raras as claridades que do meu sangue sobem ao rosto.
há um lume invisível no teu olhar, uma visão que o espelho me revela: cintilam cristais enquanto dormes, uma árvore cresce nos pulmões. assim construo as paisagens, assim te ofereço a morada de sossego e de prazer.
mas tu não vens, porque me és exterior. posso criar o universo inteiro a partir das minhascélulas, só não posso criar-te a ti, corpo que morre na falsa juventude dos espelhos…
… a paixão revelou-se-me no instante em que percebi que sabia quase tudo da vida, mas já não foi possível perder-me na tentação do suicídio
nunca amei e nunca fui amado: ignoro se isto é verdade, o mais provável é ter inventado, um dia, esta mentira, unicamente para me salvar. que horas serão para lá deste século? onde estaremos neste momento? estarei eu em ti ou serás tu que me devoras e me comoves? … teu nome, pronuncia teu nome para que seja impossivel esquecer-me do meu. diz-me o teu nome de ontem, quando éramos o reflexo exacto um do outro. toca-me o rosto com o teu nome, ou pousa-o sobre as mãos; debruça-te para dentro de mim e deixa que o segredo do tempo fulmine os ossos.
Al Berto, in O Medo


“Aterrador foi ter-me apercebido o que havia neste livro de premonitório. A eternidade não é lerem-me dentro de 50 ou 60 anos ou ficar na história da literatura portuguesa. Só espero que meia dúzia de doidos me leiam agora e isso os toque. A eternidade é uma permanência da força que está dentro de nós”.
o rumor do corpo a encher-se de mágoa


Al Berto -(1948 - 1997)Alberto Raposo Pidwell Tavares nasce em Coimbra a 11 de Janeiro de 1948. No ano seguinte já está em Sines, onde passa parte da infância e adolescência.
Poucos conhecem o seu lado escultórico, mas os amigos de infância ainda recordam os "bonecos" em argila que esculpia em casa, muito antes da António Arroio.
Teve sempre um ar extremamente irreverente para o seu tempo.
Filho de família da alta burguesia de origem britânica extraordinariamente conservadora, na sua adolescência, traja de modo displicente de calças de ganga e ténis rotos, para escândalo geral.
Terá sido a primeira afirmação da sua diferença intelectual.
Al Berto frequentou diversos cursos de artes plásticas, em Portugal e em Bruxelas, onde s
exilou em 1967.

A partir de 1971 dedicou-se exclusivamente à literatura.

Estreou-se com o título «À Procura do Vento num Jardim d'Agosto», 1977.
A sua poesia retomou, de algum modo, a herança surrealista, fundindo o real e o imaginário.
Está presente, frequentemente, uma particular atenção ao quotidiano como lugar de objectos e de pessoas, de passagem e de permanência, de ligação entre um tempo histórico e um tempo individual.
Posteriormente, os seus textos passam a apresentar um carácter fragmentário, numa ambiguidade entre a poesia e a prosa («Lunário», 1988; e «O Anjo Mudo», 1993)..
Foi distinguido em 1988 com Prémio Pen Club de Poesia pela obra «O Medo».
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"A eternidade é uma permanência da força que está dentro de nós"

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.Al Berto morre de linfoma em Lisboa a 13 de Junho de 1997
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38 comentários:

SILÊNCIO CULPADO disse...

MEG
Suponho que não gostas de prémios porém eu não podia deixar de to atribuir por aquilo que és e representas neste espaço virtual, nas áreas que visito.
Por isso, tenho no Silêncio Culpado um prémio para ti, neste 1º.de Maio em que se comemora a luta dos trabalhadores. Este prémio, o prémio da liberdade florida, decidi reparti-lo com as mulheres que me visitam e que lutam pela justiça, pela dignidade e pelo direito à diferença.
Mulheres que constroem, sofrem e amam mas que são, acima de tudo, mulheres inteiras que "pedalam" a dobrar num mundo competitivo ainda dominado pelos homens.
Abraço

amigona avó e a neta princesa disse...

Minha querida meg deixo-te um abraço neste 1º de Maio...

Menina do Rio disse...

Querida Meg. Fico feliz em saber que estás te recompondo. A vida é um eterno renascer. Há um ditado que diz: Vão-se os anéis, ficam os dedos e com eles tu escreverás belas palavras.

Deixo-te um beijo carinhoso e desejo que tenhas um ótimo feriado

mjf disse...

Olá!
Está tudo a correr bem???
Desejo-te tudo de bom :=)

Beijocas
Bom feriado

Maria disse...

Al berto foi embora antes de tempo.
Ficaram as suas palavras e uma imensa saudade...

Um abraço enorme neste 1º de Maio, Meg.

MPS disse...

Cara Meg

Hoje trouxe aqui um dos poetas da minha eleição. Nele, cada palavra é um mundo de significados e emoções; prende-nos a palavra uma a uma; é quase esmagadora a intensidade do conjunto.

Muito bem escolhidos, os textos (dele e sobre ele) que nos ofereceu.

Um abraço

De Amor e de Terra disse...

Olá Meg, boa tarde Amiga!
Cá estou, por mais alguns dias, de volta a casa.
Agradeço a tua preocupação comigo e lamento sinceramente o que te aconteceu. Como sou uma analfabeta na área virtual, não entendo como se podem ter certas atitudes; contudo, minha linda, duma coisa tenho a certeza, há gente má em todo o lado e como tal, capaz de tudo...
Sei que tens fibra suficiente para ultrapassar tudo.

Sempre que possa voltarei, para saber de ti, visitar o teu Blog e deixar um abraço de Bem-Querer.

Maria Mamede

PS.:-Fiquei feliz por ver por cá (re)lembrados/as poetas/escritores/as de que quase não se fala e o MERECEM!
Beijo.

São disse...

Al Berto é alguém que admiro e desejo se encontre bem, onde quer que esteja.
Feliz 1º de Maio!

Maria Faia disse...

Olá Amiga,

Sempre que te visito aprendo algo de novo...
Hoje, a história do Al Berto deixou-me a pensar em quanto sofrimento escondido deambula por este planeta...
Tanto que queremos um mundo melhor e esbarramos sistematicamente ne dor e na infelicidade...

Bem, o que hoje aqui vim fazer foi trazer-te um grande beijo amigo e desejar-te um resto de dia do trabalhador muito feliz.

Obrigado pela excelente postagem.

Maria Faia

Carminda Pinho disse...

Meg,
comecei a ler este post e, fiquei fascinada de tal forma que como não tenho muito tempo agora, pois quero ler com a calma que o post me merece, volto mais tarde...

Beijos

José Lopes disse...

Uma escrita muito intensa, como intensa foi a vida deste homem. São tantos os que passam por esta vida sem saberem ou reconhecerem o que é amar e ser amado.
Pelos vistos a saúde vai melhorando, o que é bom sinal.
Cumps

Gabriel disse...

Al Berto viveu e morreu depressa demais.....mas se não fosse desta forma teria tido ele s coragem...a força e a inspiração pra nos deixar tão brilhante obra????

Espero que se esteja recompondo....conte comigo pró que der e vier....

Beijos

Gabriel

Meg disse...

Silêncio:
Fico sem palavras, porque apenas faço aquilo que gosto, que te toca ou já tocou, como um troca de esperiências. Neste momento estou a levar o blogue como eu realmente "posso". E começo por te dizer que os erros que dou nos textos se devem ao facto de escrever as maior parte deles deitada... estou de baixa há muitos meses. Vou responder sempre a todas os comentários aqui e vou também visitar... todos os meus amigos...MAS TEM DE SER SEM PRESSÃO, COM O O TEMPO QUE O MEU ESTADO O PERMITE NESTE MOMENTO, lÍDIA.
Quanto aos prémios, claro que agora que já não preciso de recorrer a ajuda, repensei a minha posição, claro que vou aceitar com todo o orgulho, mas desde que não requeiram correntes, Lídia, porque é-me muito penoso fazê-lo...
Espero que me entendas.
Ainda estou a trabalhar (muito devagar na barra lateral.
Mas a prioridade são os posts.
O resto tem de ir devagar porque estou doente, mas não estou "louca", Lídia!!!
Um grande abraço e um bom fim de semana

Meg disse...

Amigona,
Agradeço e retribuo do coração as tuas palavras e o teu apoio.
Um grande abraço

Meg disse...

Verónica,
Estou a conseguir, agora que conheço o rosto do inimigo ficou muito mais fácil, não... menos difícil!Sei que vou conseguir. Pode demorar um pouco mas vou conseguir.
Obrigada e um bom fim de semana

Meg disse...

MJF,
Tens uma vida ocupadíssima, por isso deu para perceber que não tomaste conhecimento do que te tem passado por aqui. Mas já está tudo a compôr-se, Mjf.
Obrigada pela visita e bom fim de semana

Meg disse...

Maria, nós não precisamos de muitas palavras, pois não?
Pelo presente comentário, já percebeste que daqui para a frente,
estarei aqui a receber-vos.
Com um timing adequado à minha situação, mas estarei, e continuarei a ir ler o que escreves.

Um beijo e bom fim de semana

Meg disse...

Querida MPS,

Uma tragédia que nos tenham deixado o Al Berto falar antes do futuro...
O resto é o que sentimos, o que sente que eu sinto, sem precisar de verbalizar.
Um grande abraço e um óptimo fim de semana.

Meg disse...

Maria Mamede,
Infelizmente o virtual é como o outro, só que aqui não batem à porta, arrombam...desrespeitam...

Mas em frente, com o que que me dá prazer, que foi para isso que me abri este blogue.

De braços abertos te espero sempre.
Um abreaço e bom fim de semana

Meg disse...

São:
Mas é isso mesmo, ele anda por aí, porque estes não morrem.
Um abraço e bom fim de semana

Meg disse...

Maria Faia,
E ainda há tanta ignorância apesar do que já tanto mudou dobre esta realidade!

Um bom fi m de semana e um abraço

Meg disse...

Carminha,
Pois não deixes de ler, que vai valer a pena. E vais ficar com
vontade de ler o resto da obra dele.
E diverte-te ao sol
Um abraço e bom fim de semana!

Meg disse...

Guardião:
Obrigada pelo cuidado, meu amigo. Realmente vai melhorando um pouco, mas neste momento a prioridade são os posta e OLHO VIVO!
O resto tem de ir mais devagar, "com o meu tempo". mas venho sempre.
Um abraço e bom fim de semana

Meg disse...

Gabriel,
obrigada pela sua simpatia e disponibilidade para ajudar. Não duvide que o farei se sentir necessidade. Um grande abraço e um bom fim de semana

Amaral disse...

Meg
Al Berto não é um nome consensual. Gosto, mas não muito. Morreu no dia em que outros "grandes" nasceram e/ou morreram.
Este poema que publica é belíssimo. Aliás, nas comemorações do dia Mundia da Luta Contra a Sida na minha escola foi lido em publico.
Bom fim-de-semana
Abraço

Unknown disse...

Bom fim de semana.

marinheiroaguadoce a navegar

Papoila disse...

Meg:
De Sines venho trazer-te um beijo.
Deixou-nos precocemente Al Berto.
Beijo

FERNANDINHA & POEMAS disse...

Olá querida Meg, faço votos para melhorares o mais rápido possível...Bom fim de semana,
Fernandinha

anamarta disse...

Boa Noite Meg
Os Bons Partem sempre cedo para nosso mal! e Al Berto era um grande Poeta!
fico feliz por te sentires um pouco melhor! Vais ver que logo... logo... te vais sentir completamente restabelecida!
Um abraço

Anónimo disse...

Desculpa só ter passado aqui agora. Andei comemorando e lutando no 1º de Maio. Boa escolha a tua.
Kiss e Bom Fim de Semana

Meg disse...

Marco,
O mesmo te desejo a ti, sempre.
Bom fim de semana
e um abraço daqueles!

Meg disse...

Papoila,
Pois eu retribuo e desejo tenhas um óptimo fim de semana.
Um grande abraço

Meg disse...

Muito obrigada, Fernandinha, pelas tuas palavras simpáticas
Um bom sim de semana.

Meg disse...

Anamarta,
É verdade, foi muito cedo.
Tem um óptimo fim de semana e desejo-te que sejas muito feliz
Um abraço

Meg disse...

Ludo, não tem im portância, também eu tenho andado ocupada, cada um com a sua guerra.
Mas a partir de amanhã já estarei mais disponível. Tu que parece-me que és cá de baixo, sabes que nestes fins de semana grandes, há mais trabalho, no meu caso, que estou de baixa, houve mais visitas.
Um abraço.

Falando de Amor disse...

Passando para deliciar-me com tuas postagens e aproveito pra desejar uma noite agradável a ti.
Bjos querida!

Carminda Pinho disse...

Meg,
só agora me foi possível voltar para ler com atenção o que nos deste a conhecer do Al Berto.
Não conhecia a sua história de vida,só alguns dos seus poemas.
Obrigada pela tua preocupação em dares a conhecer aqui, gente tão interessante.

Beijos

Anónimo disse...

Lindo poema,
Não conhecia.
Ainda bem que voltaste, às vezes acontemcem-nos precalços,ma stal como aágua do rio, devemos aprender a contorná-los.
Bem vinda.