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12 de maio de 2008

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MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
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Devido ao seu temperamento, adere, sobretudo, ao simbolismo.
Por isso, e da mesma forma que Verlaine proclama,
de la musique avant toute chose”,
encontramos na poesia de Sá Carneiro a anarquia das regras
e a excentricidade temática
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Mário de Sá Carneiro, por Almada

MONÓLOGO


BEIJOS


«Beijar!» linda palavra!... Um verbo regular
Que é muito irregular
Nos tempos e nos modos...
Conheço tanto beijo e tão dif'rentes todos!...
Um beijo pode ser amor ou amizade
Ou mera cortesia,
E muita vez até, dizê-lo é crueldade
É só hipocrisia.

O doce beijo de mãe
É o mais nobre dos beijos,
Não é beijo de desejos,
Valor maior ele tem:
É o beijo cuja fragrância
Nos faz secar na infância
Muita lágrima... feliz;
Na vida esse beijo puro
É o refúgio seguro
Onde é f'liz o infeliz.

Entre as damas o beijo é praxe estab’lecida,
Cumprimento banal – ridículos da vida!
–:(Imitando o encontro de 2 senhoras na rua)
– Como passou, está bem? (Um beijo.) O seu marido?
(Mais beijos.) – De saúde. E o seu, Dona Mafalda?
– Agora menos mal. Faz um calor que escalda,
Não acha? – Ai Jesus! que tempo aborrecido!...
Beijos dados assim, já um poeta o disse,
Beijos perdidos são.
(Perder beijos! que tolice!
Porque é que a mim os não dão?)
O osculum pacis dos cardeais
É outro beijo de civ’lidade;
Beijos paternos ou fraternais
São castos beijos, só amizade.
As flores também se beijam
Em beijos incandescidos,
Muito embora se não vejam
Os ternos beijos das flores.
Há outros beijos perdidos:
Aqui mesmo,
Há aqueles que os atores
Dão a esmo,
Dão a esmo e a granel...
Porque lhes marca o papel.
– Mas o beijo d’amor?
Sossegue o espectador,
Não fica no tinteiro;
Guardei-o para o fim por ser o «verdadeiro».
Com ele agora arremeto
E como é o principal,
Vai apanhar um soneto
Magistral:
Um beijo d’amor é delicioso instante
Que vale muito mais do que um milhão de vidas,
É bálsamo que sara as mais cruéis feridas,
É turbilhão de fogo, é espasmo delirante!
Não é um beijo puro. É beijo estonteante,
Pecado que abre o céu às almas doloridas.
Ah! Como é bom pecar co’as bocas confundidas
Num desejo brutal da carne palpitante!
Os lábios sensuais duma mulher amada
Dão vida e dão calor. É vida desgraçada
A do feliz que nunca um beijo neles deu;
É vida venturosa a vida de tortura
Daquele que co’a boca unida à boca impura
Da sua amante qu’rida, amou, penou, morreu.
(Pausa – Mudando de tom)
Desejava terminar
A beijar a minha amada,
Mas como não tenho amada,
(A uma espectadora)
Vossência é que vai pagar...
Não se zangue. A sua face
Consinta que eu vá beijar...
......................... (atira-lhe um beijo)
Um beijo pede-se e dá-se,
Não vale a pena corar...
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[Mário de Sá Carneiro]
in Monólogo


Mário de Sá
Carneiro
nasceu em Lisboa no ano de 1890.
Frequentou o curso de Direito em
Coimbra (1911-1912) mas, desiludido partiu para Paris, para continuar os
estudos.
Porém, preferiu a vida boémia dos
espectáculos, das ruas e dos cafés (o parisiense Café de la Paix, de que Sá
Carneiro era cliente, tem desde 1900 uma placa evocativa do poeta).
Na capital francesa, a que chamou “cidade da minha ternura” cultivou uma vida singular, valendo-se da
protecção paterna e ligando-se a uma rapariga de rua, Heléne. Em 1916, a viver
no Hotel de Nice (Montmartre, Paris), suicidou-se com cinco frascos de
estricnina tendo convidado um amigo seu, José de Araújo, para lhe assistir à
agonia.


Montmartre

Fernando Pessoa, com quem Sá
Carneiro mantinha uma forte amizade, desde 1912, escreveu:
Génio na arte, não teve Sá
Carneiro nem alegria nem felicidade nesta vida. Só a arte, que fez ou que
sentiu, por instantes o turbou de consolação. São assim os que os Deuses fadaram
seus. Nem o amor os quer, nem a esperança os busca, nem a glória os acolhe. Ou
morrem jovens, ou a si mesmos sobrevivem, incolas da incompreensão ou da
indiferença. Este morreu jovem, porque os Deuses lhe tiveram muito
amor.
Segundo Fernando Pessoa, Mário de
Sá Carneiro, teve uma vida miserável, dedicada à arte e preso ao facto de ser um
génio.
Era adorado pelos Deuses, e por
isso sofria neste mundo de humanos.
Sá Carneiro era mais do que
humano, era um ser dotado de sensibilidade e inteligência.
Vivia aliado deste mundo, agarrado
às suas verdades que todos nós temos por mentira.
Era um inovador no seu tempo e
sofreu na sua grandeza como se não conseguisse gritar toda a sua sabedoria e
tivesse morrido sufocado nela.
Segundo Pessoa, Sá Carneiro viveu
num tempo em que qualquer privilégio era um castigo:
Nada nasce grande que não nasça amaldiçoado,
nem cresce de nobre que não se definhe, crescendo…
Se assim é, assim seja!
Os Deuses o quiseram assim.”
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54 comentários:

Maria Faia disse...

Excelente dissertação poética de Mário de Sá Carneiro sobre o beijo...
Beijo simbólico de amizade, amor, cortesia e até traição.
Uso banal de um gesto que somente de afeição devia ser feito!

Para ti querida amiga envio um beijo verdadeiro, amigo e solidário.

Maria Faia

Maria disse...

Ora aqui está um post excelente, sem mais palavras.
Acrescentar algo mais seria quase "pecado", as palavras estão lá todas...

Beijinho, Meg

Anónimo disse...

Não conhecia este poema de Mário de Sá carneiro
Tão verdadeiro!

e meg vá ver o desfio, é quase feito para si, se não gostar, não faz.


beijo, com admiração por si.

Carminda Pinho disse...

Espectacular este post Meg!
Não conhecia este poema de Mário Sá Carneiro...ah...mas é excelente... esta dissertação sobre o beijo a quem, tanta gente dá tão pouco valor...

Deixo-te um beijo de amizade, mas daquela verdadeira, pois como sabes... eu não sou de fazer fretes...

SILÊNCIO CULPADO disse...

MEG
Há aqui muito material e todo ele excelente.
Mário de Sá Carneiro foi um grande escritor e um homem marcado pelo próprio génio que se expande na emoção sofrida.
A loucura entre o prazer e a dor é uma fonte de inspiração tamanha que nem sempre traz a solução da vida.

Fernando Pessoa soube-o bem. O seu percurso de bipolar transformou-o num génio.
Abraço

Agulheta disse...

Meg.
Gostei do deste excelente post de Mário Sá Carneiro,onde o beijo é simbolismo do amor e amizade.
Beijinho Lisa

Peter disse...

De Mário de Sá Carneiro, gosto imenso do seu poema "Quase":

(...)
Um pouco mais de sol - eu era brasa.
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa ...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
(...)
Quase o amor, quase o triunfo e a chama.
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
(...)

Meg disse...

Maria Faia,
De Mário Sá Carneiro haveria muito mais para dizer, mas para a semana julgo que se vai falar mais dele.
Ainda bem que gostaste.
Um abraço

Meg disse...

Maria,
obrigada pelas tuas palavras mas realmente de M.S.Carneiro, apesar de ter morrido tão cedo, muito haveria a dizer.
Obrigada e um abraço para ti

Meg disse...

Minucha,
É verdade, este monólogo não é das
peças mais conhecidas do Mário de Sá Carneiro.
Por isso o trouxe.
Quanto ao desafio já lá fui, Minucha. Muito Obrigado
Um abraço

Meg disse...

Carminda,
É verdade o que diz o poema.
E o que falta dizer de Mário de Sá Carneiro daria para muitos posts.
Obrigada pelas tuas palavras.
E claro que só vale o que +e verdadeiro!
Um abraço

Meg disse...

Silêncio Culpado

Lídia, para quem viveu 26 anos, tanto havia para dizer ainda, mas num post, é impossível.
Como se aproxima a data da sua morte, estou convencida que muito se irá falar de Mário de Sá Carneiro.
Muito obrigada pelas palavras e deixo-lhe um abraço

Meg disse...

Agulheta

Lisa, como vês um simples gesto pode ter interpretações tão diferentes como as que Mário Sá Carneiro nos mostra aqui!
Um abraço para ti.

Anónimo disse...

Boa escolha Amiga. Uma bonita homenagem a um grande Homem das Letras.
Kiss e Boa Semana

Meg disse...

Ludo Rex

Ludo, o Mário de Sá Carneiro, merece, e espero que daqui a uma semana se volte a falar dele, que merece.
Um braço

Chanesco disse...

Minha cara MEG

Não vale a pena tentar talhar o destino porque ele já nasce talhado.

Um abraço

Bípede Implume disse...

Extraordinário poeta com uma vida tão breve.
Como sempre um óptimo post.
Grande abraço.

Meg disse...

Peter,

Ficaste para trás, perdi-me na ordem dos comentários, mas achei-te agora.Pelo lapso, as minhas desculpas.

Quanto ao poema, o que pretendi foi precisamente mostrar este monólogo muito pouco conhecido.
Como se aproxima a data da morte, creio que Mário de Sá Carneiro
será lembrado.
Para tão pouco tempo de vida, tanta vida para contar, tanta obra para divulgar.

Um abraço

Meg disse...

Meu caro Chanesco.

Parece que cada vez mais se confirma, não é?
Muitas vezes esquecemo-nos

Um abraço

Meg disse...

Bípede Implume

É verdade. E é pena que não apareça mais publicado, não é?
Obrigada pelas tuas palavras.
Um abraço

Amaral disse...

Meg
Mais um poeta nem sempre bem amado. A sua poesia é mesmo desconcertante.
Bela escolha a deste poema.
Abraço

Porca da Vila disse...

Um génio, que infelizmente partiu antes de tempo... Louco?! Seguramente que não...

Parabéns por recordá-lo aqui.

Xi Grande

MPS disse...

Cara Meg

Eu a pensar em Sá-Carneiro e dou de caras com esta brincadeira de mau gosto, aqui colocada no comentário anterior a mim!

Faz, exactamente hoje, 100 anos, que Mário de Sá-Carneiro escreveu o seu "Quase", poema que alguém já referiu antes de mim. É um "quase" que se lhe cola à pele, tamanha era a promessa, "quase" deixada incumprida. Lê-se Sá-Carneiro de fio a pavio e fica-se com a boca a saber a pouco, porque se quer mais, porque ele prometia mais, porque ele era capaz de muito mais.

No poema que aqui publicou podemos constatar a que nível se elevava a promessa: a crítica, a ironia fina, mas também o lirismo puro e a prova de que é capaz de fazer segundo as regras (aquele soneto intoduzido a meio é primoroso), servindo-se delas para mostrar que as quebra porque é superiormente capaz e não aceita algemas.

Os futuristas portugueses são os únicos que me deleitam, quando quase todos os outros me irritam. Sá-Carneiro bem merece a homenagem que lhe fez trazendo-o aqui. Creio que, lá para 2016, lhe será feita a merecida homenagem nacional.

Um abraço

Meg disse...

Cara MPS,
A brincadeira tem bom remédio, daqui a uns instantes vai para o espaço.

QUando ao mais importante, que é o Sá Carneiro, eu estive para publicar o Quase mas depois, como penso que ainda é dos mais divulgados e gosto deste...nesta altura foi o escolhido.
E como penso que dentro de dias, no aniversário da sua morte talvez apareça mais obra de Sá Carneiro - é impressionante tanto que nos deixou em apenas 26 anos de vida.

E sem trazer à lide o Fernando Pessoa... ficaria aqui a escrever toda a noite.
Mas vamos aos poucos, para as pessoas também terem tempo para outras leituras, que não estou cá sozinha.
Querida MPS,muito obrigada pela
sua visita...
E um grande abraço

Meg disse...

CAro amaral,
E que deixou uma obra tão marcada, apesar de ter morrido tão cedo.

Um abraço

Meg disse...

Amiga Porca.
Louco, definitivamente não. Esses são normalmente os que arriscam
ser agressivamente lúcidos.
Já andei armada em decoradora outra vez...
Um XI PA TI!!!

Zé Povinho disse...

Hoje já não fico envergonhado, este é um autor conhecido e que até eu já li. Eu que até nem sou um grande beijoqueiro, li e citei excertos destes, há algum (muito) tempo atrás.
Abraço do Zé

Pata Negra disse...

"O beijo é anti-higiénico"
Director da ASAE
É por essas e por outras que nunca fui a Beja.
Um não beijo - um abraço

Porca da Vila disse...

Meg,

Parece que houve por aí um comentário de mau gosto entre o da nossa amiga MPS e o meu, que já foi apagado. Gostava de ter visto.

Xi Grande

Anónimo disse...

meg:o sá carneiro é referência para
qualquer poeta.
aproveito para convidar você e todos os amigos daqui a visitar a
www.palavoraz.com revista onde
tenho a coluna "matéria bruta".
um grande e fraternal abraço.
romério rômulo

Meg disse...

Amigo Zé,

Então não gostas de conhecer gente nova a falar das noassas terras de uma forma tão bonita.
Eu também não conheço muitos deles, o que me vale é uma cegonha amiga que me traz estas prendinhas.
Prepara-te que vem mais.
Obrogada, Zé, pela visita e um abraço para ti

Meg disse...

Amigo Pata Negra,
Os teus comentários são sempre muito esperados (não posso dizer porquê?).
Eles são uma lufada de ar fresco e humor.
Obrigada e um abraço

Meg disse...

Querido Romério,

Fiquei feliz com a notícia e vou dar conhecimento a "todo o mundo"!
Hoje mesmo ainda vou-te mandar um mail.
Mas primeiro preciso ver a página, ontem já era muito tarde.

Um terno abraço

Carla disse...

deixo-te o calor do meu beijo, neste belo post

Meg disse...

Carla,

Ainda bem que gostaste.
Um abraço para ti também.

Savonarola disse...

Gostei. Um belo retrato de Mário de Sá Carneiro. E vivam os insatisfeitos!

Um abraço anarquista

Meg disse...

Amigo Savonarola

Isto de ser do contra os convencionalismos é que nos dá uma certa luta, não é?
Ainda bem que gostaste.
Um abraço

MPS disse...

Cara Meg

Desculpe, mas agora deixou-me com uma dúvida: Sá-Carneiro não se suicidou a 26 de Abril? Posso, naturalmente, estar enganada!

Cara PV

Era um comentário estranho, provavelmente um vírus: alguém que, em várias línguas e texto estranho, recolhia fundos para as vítimas da PIDE/DGS!

Um abraço a ambas

Papoila disse...

Meg:
Este monólogo do beijo de Mário Sá Carneiro é fantástico, e sem comentários, só usufruir...
Beijo

Meg disse...

Cara MPS,

Tem toda a razão.Pensei-me em Abril, imagine. Isto de se estar tanto tempo sem trabalhar...
Mário de Sá Carneiro suicidou-se efectivamente a 26 de Abril.
Agradeço ter chamado para o facto, pois irei proceder às referências que faço "à próxima semana".

O meu abraço amigo

Meg disse...

Papoila,

É realmente muito bonito e também faz pensar.
Obrigada, e um abraço

Carminda Pinho disse...

Meg,
vim reler os BEIJOS de Mário Sá Carneiro e, lembrei-me entre tantos beijos aqui descritos, faltam os "beijos de Judas".
Olha, não sei porque me fui lembrar disto agora.

Beijos (fraternos)

José Lopes disse...

Para um homem que não foi particularmente feliz trata o beijo de um modo muito preciso.
Muitas vezes almeja-se uma felicidade absoluta, que não existe pois afinal somos humanos. O fim trágico poupo-o a mais desilusões e sofrimento.
Cumps

Meg disse...

Carminda,
Pois perguntas bem, mas não faço ideia, eu que não sou nada beijoqueira, como sabes, principalmente os de "sociedade". Prefiro um abraço,ou um bom aperto de mão.São muito mais reveladores da sinceridade.
Claro que há "os outros beijos", mas nesses não falo ahahahah!!!!

Um abraço

Meg disse...

Caro Guardião,

Pessoas como Mário de Sá Carneiro não têm vida longa. Porque vivem a vida com uma intensidade e com uma voracidade tão grandes quanto as suas angústias. Lembras-te do filme "Os Inadaptados?).
E parece que Deus os chama antes de quaisquer outros...

Um abraço.

anamarta disse...

Mais um excelente post, com a qualidade a que já nos habituaste. Não conhecia este poema de Mário Sá Carneiro, mas gosto muito!obrigada por partilhares
um abraço

Agulheta disse...

Meg
A minha vinda é para deixar abraço e beijinho Lisa

Heduardo Kiesse disse...

poderosa Meg!!
um beijão terno


PARADOXOS

f@ disse...

Parabéns pela escolha... tb gosto imenso de MSC ... tudo mesmo beijinhos das nuvens

Meg disse...

Anamarta,
Foi um prazer ver-te aqui e saber que gostaste.
As postas estão sempre abertas, mesmo que euvenha a não estar aqui por uns dias.
Um bom fim de semana e um abraço

Meg disse...

Eduardo, muito obrigada por aquele "poderosa"! Espero que não seja o último!
Julgo que é uma estreia aqui, e ainda hoje irei visitar o seu espaço.
Bom fim de semana
Um abraço

Meg disse...

F@, muito obrigada.
Fico feliz por ser uma admiradora do Mário de Sá Carneiro.
Irei retribuir a visita, logo que possível.
Bom fim de semana e um abraço

Anónimo disse...

Desde que li o "baloiço" de Mário de Sá Carneiro, passei a incomodar-me com personalidade tão depressiva. Mas gostei deste poema...

Meg disse...

Jasmim,

Tão depressiva e tão atormentada, que o levou a uma morte tão prematura.
Honremos pelo menos a obra que nos deixou. Obrigada, Jasmim!
Um abraço