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5 de maio de 2008

Breve Introdução ao Anarco-defecalismo





Visitei recentemente a província de Benguela na companhia de um jovem dinamarquês, Christian (vou chamá-lo assim) representante de um conhecido movimento ecologista europeu.
Enquanto atravessávamos a custo as ruas lamacentas, passando por bairros abandonados, respeitáveis casarões em ruínas, bandos de mendigos em andrajos, o jovem dinamarquês não conseguia ocultar a indignação.
A extrema miséria da população, num país produtor de petróleo e diamantes, horrorizava-o.
Em determinada altura, ao passarmos defronte ao Cemitério da Catumbela, demos com um grupo de cinco ou seis pessoas agachadas de encontro ao muro.
Envergonhado, tentei distraí-lo, chamando-lhe a atenção para uma rixa que ocorria do outro lado. Não consegui.
– Aquelas pessoas estão...
Achei que era demais. O meu brio nacionalista veio ao de cima:
– Não, não! – Retorqui. – Aquilo não é o que parece.
Trata-se na verdade de uma acção política.
– Acção política?
– Exactamente. Aquelas pessoas fazem parte de um movimento anarquista radical.
Chamam-se a si mesmo anarco-defecalistas.
Reúnem-se todos os dias, a determinadas horas, junto de instituições ligadas ao poder político ou religioso, para expressar a sua rejeição. Expressam-na desta forma.
Christian voltou-se para mim, maravilhado:
– Fantástico! Brilhante! Caramba, uma acção como essa está a anos luz do que nós fazemos lá na Europa. Ocupar casas velhas, pintar paredes, incendiar carros, acções assim parecem-me agora falhas de imaginação, até infantis, uma coisa de meninos de coro.
E como reage o poder? Os manifestantes são presos?
Disse-lhe que na nossa democracia avançada, tão avançada que, inclusive, prescinde da farsa burguesa das eleições, não existem – não podem existir – constrangimentos à liberdade de expressão.
As pessoas são livres de defecar onde bem quiserem. E fazem-no, na verdade, com extraordinária competência e determinação.
Christian abanou a cabeça, incrédulo. Viera a Angola na disposição de formar combatentes contra a globalização e o imperialismo, contra o capitalismo e o consumismo, e descobria que era ele, afinal, quem precisava de receber lições.
Perguntou-me se poderia formar uma secção do movimento anarco-defecalista na Dinamarca. Disse-lhe que sim, é claro, disse-lhe que os camaradas angolanos teriam certamente muito gosto em lhe ministrar um curso intensivo sobre os princípios e as técnicas do movimento.
Abraçou-me, entusiasmado, agradecido, quase em lágrimas.
Felizmente adoeceu nessa mesma tarde, com uma violenta crise de malária, e no dia seguinte seguiu para Luanda.
Creio que já terá regressado, entretanto, ao seu país.
[José Eduardo Agualusa]

66 comentários:

Anónimo disse...

Se a moda pega...

Amaral disse...

Meg
Ora aqui está um autor de quem gosto. Já li alguns livros dele.
Boa semana
Abraço

Maria Clarinda disse...

Meg, excelente mas excelente mesmo este texto do Agualusa...Parab´+ens pela escolha.
Jinhos mil

Carla disse...

diferentes visões de uma mesma realidade
boa semana
beijos amiga

Maria disse...

Imagina se a moda pega por cá, o trabalho que não vai haver à volta de São Bento.....

Beijos

Filoxera disse...

Era bem apostado, isso em torno da AR.
Beijos.

Agulheta disse...

Meg.
Belo trabalho e texto de Agualusa,adorei... Agora amiga bola para a frente,os amigos esperam.
Beijinho Lisa

Anónimo disse...

Grande escolha... Muito bem. Gostei da passagem.
Kiss

anamarta disse...

Gosto muito do Agualusa! e este texto está um mimo! Parabéns
beijos

Papoila disse...

Meg!
Um grande texto de Agualusa!
Imagino a corrente política "anarco defecalista" por cá...
Beijos

Bípede Implume disse...

Boa semana, querida meg.
Verifico que começas a estar em grande forma. É assim mesmo.
Grande abraço.

Zé Povinho disse...

Se a corrente pega, o difícil vai ser encontrar onde colocar os pés para tão cívica acção realizar, com competência.
Abraço do Zé

lupuscanissignatus disse...

Brilhante texto de Agualusa. Mesmo que a penumbra da miséria seja o tema.

A ironia é sem dúvida uma excelente arma para enfrentar a mais torpe injustiça social.


Abraço.

Meg disse...

Padeirinha
Se a moda pega, estás a imaginar a cena, não? Se calhar resultava mais que muitas outras campanhas.
Estes nórdicos...
Um abraço

Meg disse...

Amaral,
É dos que nos dizem muito, mas muito mais divulgado no Brasil que cá. Porquê???
Um abraço

Meg disse...

Clarinda, o entusiasmo das tuas palavras, merecem toda a minha gratidão...
Vais gostar de muitas coisas que estão na "forja"
Um abraço

Meg disse...

Carla,
este nórdico fez-me lembrar uma história verídica passada há poucos dias ma Tv (não eram apanhados)
Umas educadoras infantis sentaram a uma mesa umas 6 ou oito crianças de 2 anos. Colocaram na mesa uma tela com ´vários montinhos de guache de muitas cores. As crianças naturalmente começaram a espalhar a bater a riscar, a consolarem-se todas ao mesmo tempo com aquela amálgama de cores completamente à disposição.
Essa tela foi depois colocada numa parede dum museu onde decorria uma exposição famosa.
Então uma "suposta" expert perguntava aos visitantes o que achavam daquela tela. As respostas não as consegues imaginar... desde obra-prima, cada pessoa via ali uma descoberta, mas a que mais desconcertante foi a de um senhor de meia-idade que acho que o tela tinha uma carta erótica indesmentível.

Um abraço

Meg disse...

Maria,
Só lá? E nas autarquias? Por acaso gostava de ver, minha amiga.
Um abraço de gratidão

Meg disse...

Filoxera,

Mas gostava mesmo de ver... nunca se sabe.
Mas como publicidade ia ser um estoiro!
Obrigada num beijo

Meg disse...

Amiga Agulheta.

Vamos, concerteza. E convosco, com os amigos que tenho não me sobra outro remédio.
I'm a surviver!!!
E a verdade sabes como é...

E tu, Agulheta, bem podias acabar com o lixo que anda para aí nas caves dos blogues. Tráfego intenso e com tanto lixo...
Uma coisa assim que fizesse saltar cá para fora de uma vez a traição e a difamação.

Um abraço

Meg disse...

LUDO,

Obrigada três vezes. Embora mereças mais.
Gosto de ti, não me perguntes porquê.
Um abraço

Meg disse...

Anamarta,
Isto é só um bocadinho de Agualusa.
Ainda bem que gostaste.
É o que procuro quando publico.

Um abraço

Meg disse...

Querida Papoila,
Não achas quer era capaz de "ter impacto"????
Adorava ver, mas não crianças.

Um abraço

Já decidiste? Tens o meu mail.

Meg disse...

Bípede Implume

O meu coração para ti, que és uma grande amiga. As minhas portas estão abertas de par em par

Um abraço

Meg disse...

Zé,
Já viste o que seria (ou que será) porque pelo andar da carruagem...

Mas estes nórdicos têm uma imaginação que deve muito à nossa.

Um grande abraço para ti

Meg disse...

LUPUSSIGNATUS

A ironia é sem dúvida uma excelente arma para enfrentar a mais torpe injustiça social.

Esta é a verdade contida neste texto.
Só com ironia se leva isto,

Um abraço

MPS disse...

Depois do comentário do "Lupus Signatus" nada posso acrescentar. Por isso, bravo para ele, para o Agualusa e para a Meg que publicou ambos.

Sei que existes disse...

Que situação interessante!
Não deve tardar muito a vermos algo semelhante neste nosso país...
Beijocas

Meg disse...

Cara MPS

Fico muito feliz por saber que gostou. Sei que comentar Agualusa é verdadeiramente dispensável, para mim, mesmo impossível.
Gosto e pronto.
A minha gratidão pela sua visita e pelas palavras que aqui deixa.
Um abraço, MPS.

Meg disse...

Sei que existes

Mas adorava mesmo, e como dizes não deve faltar muito...
Valha-nos a ironia à falta de monotonia.
Um abraço, minha amiga

Menina do Rio disse...

Bendita e repentina doença! Vai que o homem resolve se agregar a esta causa...

Bem interessante!

Um beijo

Carminda Pinho disse...

Meg,
estava a ler este texto e a lembrar-me da notícia que vi hoje onde Bob Gedolf dizia que os responsáveios do governo angolano eram uns criminoso, por não saberem gerir um país com tantos recursos e, terem gente a morrer de fome.

Aqui, o Agualusa que é angolano, faz a mesma crítica de outra forma.
Se este movimento pegasse cá, já viste o cheiro a m.... de norte a sul deste nosso rectângulo? hahaha!!!

Beijos

Meg disse...

Verónica,
Interessante, nao é? Só mesmo um nórdico. Mas nunca se sabe
Um abraço amigo

Meg disse...

Carminda,
Olha que não estou a ver grandes diferenças. Os de Angola não governam o país, mas governam-se e de que maneira.
Cá não será a mesma coisa.
E a ideia nem era má como protesto, eheheheh!!! Já imaginaste?
Um abraço

Porca da Vila disse...

Fico a gostar do Agualusa... E, brincadeira à parte, a pensar se um movimento de protesto com acções destas a meio de uma greve da função pública não teria por cá um sucesso fantástico!... E delicio-me a imaginar os deputados da nação a descerem a escadaria de S. Bento repleta de protestos... Uns mais duros... Outros mais brandos...

[Já gabei o novo visual noutro lado. Tu sabes qual.]

Xi Grande

Meg disse...

Porca Amiga

Que bom receber-te aqui, neste espaço tão arejado!

Quanto aos deputados, que gostava de ver, isso gostava. E do Agualusa, se não tinhas lido vais ficar rendida, minha amiga,
Um XI PA TI muito grande

JOY disse...

Olá Meg

Excelente texto.
Sou capaz de achar que era o que estes governantes mereciam,chegar a São Bento e " protestar ".


Fica bem
Joy

Meg disse...

Joy

Benvindo aos Amigos da Meg. com esta visita que me deixa feliz.
Era, realmente o que "eles" mereciam. Que espectáculo! Mas olha que se calhar resultava!!!
Um abraço e espero ver-te mais vezes por cá.

Belzebu disse...

Acho que o anarco-defecalismo já chegou a Portugal. Há vestígios de pelo menos 250 jornadas de luta, nas bancadas do Parlamento!

eheh!! Aquele abraço infernal!

Agulheta disse...

Meg.
Passo para deixar amizade e beijinho Lisa

Anónimo disse...

meg:
as palavras do agualusa são sempre
relevantes.
um abraço.
romério

Anónimo disse...

que texto magnífico, para uma profunda reflexão. metáfora/realidade às vezes se confundem. para ser lido mais vezes. garnde abraço.

Meg disse...

Belzebu

Não me digas que não seria um espectáculo deslumbrante.
Merecia até um "boneco" mas não achei nenhum compatível eheheheh!!!
Gostei muito de te ver.
Um grande abraço

Meg disse...

Agulheta,

Obrigada pelo teu carinho.
Um beijo para ti

Meg disse...

Romério,
Amigo, de poucas palavras mas eloquentes, ternurento e atento sem espalhafato.
Por isso e pela tua poesia, te quero bem.
Temos Agualusa em comum também.
Ja estás em O.P.?
Um abraço

Meg disse...

Fernando,

Vou de seguida visitar o que me falaste, já te respondi.
Se não conhecias Agualusa, vais gostar de ler mais obras dele. Depois te conto minhas impressões.
Um abraço

José Lopes disse...

A imaginação de um contrasta com a ingenuidade de outro, mas é a necessidade que aguça o engenho (aqui imaginação).
Cumps

Anónimo disse...

Olá Meg

Olha, eu até tenho pena da doença do homem.
Já andava a Europa toda com a nova moda, e se calhar conseguiam bem mais do que manifestações.
Já pensaste? Cem mil professores todos juntos ao muro?
Durante três ou quatro dias, não havia quem pudesse entrar.

Chanesco disse...

Minha cara MEG

A ironia dom Agualusa está ao nível da frontalidade de Bob Geldorf.

Um abraço

PS: Ontem deixei com., mas ao que parece escapou-se.

Anónimo disse...

gostei...gostei muito do texto...

sim gostei :)

Peter disse...

Já leste "O último ano em Luanda"?

Deixou-me azia ... e um profundo desgosto.

Meg disse...

Querido guardião,
mas que imaginação!!!
Do que não duvido é dos resultados...
Valham-nos estes memntos!
Um abraço

Meg disse...

Querido Chanesco,

Pois passou-me essa do Bob Geldof.
Tenho andado distraída, caro amigo.

Quanto ao comentário, não faço ideia.... a menos que não tenha
ficado publicado à primeira!

O neu abraço amigo

Meg disse...

Marta.
E dizes muito bem. Mas continuo a dizer que gostava de saber o que aconteceria.
Conto contigo para recalcitrar.
Vou já visitar-te.

Um Abraço

Meg disse...

Peter,
não li o livro, não, mas consegui ler alguns excertos. Não trata
muito bem Luanda, ainda não deu para perceber se se trata de ironia , porque será uma desilusão para mim, se lhe estiver a subir a fama a cabeça, tenho de ler bem aquela polémica sobre a poesia di Agostinho Neto.
Que a realidade de Luanda é obscena, sei-o de várias fontes.
como a fome por todo aquele território. Mas vou ler e depois falamos.

Um abraço

Unknown disse...

Cada vionda aqui é uma benção para o conhecimento.

O novo espaço está a ficar excelente.

marinheiroaguadoce a navegar

Maria Faia disse...

Olá Amiga,
Finalmente cá eu estou eu! Feliz por te ver com artigos maravilhosos.
Este do Agualusa é uma delícia...
E, sabes uma coisa? Seria interessante criar um movimento desses pois, na verdade, no nosso país (tal como em outros)há tanto para que defecar!...
A originalidade africana é de uma riqueza incalculável.
Obrigado Amiga.

Beijo,
Maria Faia

Meg disse...

Marco,

sei que é com muito carinho que me diriges essas palavras. Espero continuar a merecê-las e a ter-te como frequentador desta casa que te recebe de braços abertos. O meu grande abraço cheio de gratidão.

Meg disse...

Maria,
É sempre com alegria que te recebo. E a vossa presença e as vossas palavras aqui e nos bastidores, os testemunhos que recebi, foram o grande empurrão.
A verdade não tem medo.
Fiquei muito feliz por teres passado o dia da mãe com "o teu filho..."

Um abraço em silêncio, intenso!

Meg disse...

Joaninha
És tão novinha que passei por ti e quase não te vi. Mas foi sem querer.
Ainda bem que gostaste do texto, se puderes lê o Agualusa e o Mia Couto. Conselho de avó...
Um abraço e aparece sempre que quiseres.
Um abraço

jorge esteves disse...

É sempre um prazer (re)ler este excelente autor!...

abraços!

Anónimo disse...

meg:
você pergunta se já estou em ouro preto.sim.há uns 10 dias.
um abraço que alcance todos os leitores do blog.
romério

Savonarola disse...

Querida Meg,
O anarquismo é uma ideologia tão libertária, que contempla todas as formas de combater o poder e o Estado, incluindo o defecar nas fachadas dos edifícios públicos, símbolos desse mesmo Estado que se pretende combater.
Mas, atenção, que essa poderá ser uma forma ineficaz e facilmente ridicularizável por todos aqueles que não querem aceitar o anarquismo e pretendem denegri-lo, talvez porque o temam. É que, bem vistas as coisas, também a rainha de Inglaterra defeca...
Não queremos um anarquismo "folclórico", mas um anarquismo político, que combata inteligentemente todos os vastíssimos e difíceis de desenredar meandros do poder

Meg disse...

Tinta Permanente,
É um dos maiores, mas já já gente desconhecida a escrever muito bem
Um abraço e obrigada

Meg disse...

Romério,
Amigo estava a pensar na data para a sua matéria.
Já estou a preparar.
A gente se fala por mail.
Um abraço

Meg disse...

Savonarola,

Aqui a intenção não era essa, era apenas mostrar como o mesmo cenário tem interpretações tão diferentes.
Um abraço