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4 de dezembro de 2008

Canto de nascimento

“Maternidade”, 1935, de Almada Negreiros Centro de Arte Moderna Fundação Calouste Gulbenkian Canto de nascimento Aceso está o fogo prontas as mãos o dia parou a sua lenta marcha de mergulhar na noite. As mãos criam na água uma pele nova panos brancos uma panela a ferver mais a faca de cortar Uma dor fina a marcar os intervalos de tempo vinte cabaças deleite que o vento trabalha manteiga a lua pousada na pedra de afiar Uma mulher oferece à noite o silêncio aberto de um grito sem som nem gesto apenas o silêncio aberto assim ao grito solto ao intervalo das lágrimas As velhas desfiam uma lenta memória que acende a noite de palavras depois aquecem as mãos de semear fogueiras Uma mulher arde no fogo de uma dor fria igual a todas as dores maior que todas as dores. Esta mulher arde no meio da noite perdida colhendo o rio enquanto as crianças dormem seus pequenos sonhos de leite. Ana Paula Tavares (O lago da lua) «««««o»»»»»
Ana Paula Tavares nasceu no Lubango, Huíla, Sul de Angola, em 1952. É historiadora, tendo obtido o grau de Mestre em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A autora vem atuando em várias atividades ligadas à literatura e à história africana. Foi membro do júri do Prêmio Nacional de Literatura de Angola nos anos de 1988 a 1990 e responsável pelo Gabinete de Investigação do Centro Nacional de Documentação e Investigação Histórica, em Luanda, de 1983 a 1985. Em 1999, publicou vários estudos sobre a história de Angola na revista "Fontes & Estudos", de Luanda.
Obra
Ritos de Passagem (1985)
O Sangue da Buganvília (1998)
O Lago da Lua (1999)
Dizes-me coisas amargas como os frutos (2001) - obra galardoada com o Prémio Mário António de Poesia 2004 da Fundação Calouste Gulbenkian
Ex- votos (2003)
A cabeça de Salomé (2004)- crônicas
Os olhos do homem que chorava no rio (2005)- (co- autor: Manuel Jorge Marmelo)
Manual para amantes desesperados (2007)
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43 comentários:

Filoxera disse...

Li, pela primeira vez, esta autora aqui mesmo. Mais um bonito poema, de algo tão belo como é a maternidade e o acto de parir.
Beijos.

Maria disse...

Perco-me a olhar esta "maternidade" de Almada Negreiros....
E encanto-me com as palavras da autora, conhecimento recente...
Obrigada pela partilha, Meg.

Um beijo

Agulheta disse...

De rara beleza as palavras que partilhas por aqui como estas,a foto só poderia ser de Negreiros...excelente.
Beijinho da Lisa

Zé Povinho disse...

Mais uma autora que eu desconhecia e que me foi dado o prazer de ler.
Abraço do Zé

Meg disse...

Filoxera,
É um poema de grande sensibilidade.
E o tema é muito terno.

Um abraço

Meg disse...

Maria,

É um belo quadro, Maria! E tem tudo a ver com este poema.

Beijinhos

Meg disse...

Lisa,
É um bonito poema dedicado ao tema da maternidade. Por isso, Almada Negreiros.

Um beijo

Meg disse...

Amigo Zé,

Ainda bem que gostaste... e a autora já cá esteve, mas há algum (muito) tempo.

Um abraço

Pata Negra disse...

Podia dizer apenas: largou um moço!
O poema larga poesia mas não chega às pernas do quadro que o pariu. Os poetas nunca deviam assistir a esses actos porque eles, com sucesso ou sem ele, excedem sempre a poesia.
Eu nasci em casa, a parteira era poeta dos seus jeitos, a minha mãe era poeta da luz e eu quase nascia poeta se não fossem umas malditas cólicas que me tiraram a boa disposição para o resto da vida. Quem nasce a chorar e a ouvir gritar dificilmente ganhará disposição para a poesia.
A poetisa podia ao menos falar no nome do rebento!
Que mania a minha! Gosto de espreitar a poesia como quem espreita um acidente sem vontade de prestar socorros!
Meg, tens de activar a moderação de comentários para bem de ambos.
Um abraço pós nascido

DECIO BETTENCOURT MATEUS disse...

Ana Paula Tavares: uma grande autoridade poética!

zef disse...

Meg, leio isto assim cedo e quase me comovo: com o poema e também com as crianças [que] dormem seus pequenos sonhos de leite.
Um abraço. Bom dia

São disse...

Excelente!!
Os meus agradecimentos.
Bom fim de semana.

Amaral disse...

Meg
Gostei muito deste poema. Diz-nos muito.
Bom fim-de-semana
Abraço

Meg disse...

Amigo Pata Negra,
Depois da tua poética dissertação sobre o post, querias que eu acivassa a moderação de comentários? Nunca, os teus comentários são dos mais saborosos que aqui chegam. Por isso a tua vinda é sempre uma alegria.

Um abraço bem forte.

Meg disse...

Amigo Décio,
Estou de acordo consigo sobre a Ana Paula Tavares... também já é da casa.
Um abraço

Meg disse...

Zef,
Será da idade? Porque a mim também me comovem as crianças...
e os poemas que falam de crianças!

Um grande abraço

Meg disse...

São,
Não precisa de agradecer nada, minha amiga.
Fico feliz por ter gostado do post.

Um grande abraço

duarte disse...

que belo ciclo esse da vida...colhendo o rio... e as velhas a contar velhas lembranças com as mãos fazedoras de fogueiras... e a lua como que à espera poisada sobre a pedra de afiar,depois do vento cortar manteiga... e no fim depois do grito de dor-alegria...as crianças com sonhos de leite...
Uma grande partilha de ser mãe...
eu que nunca saberei e que como filho amo.

Meg disse...

Amigo Amaral,

Obrigada, é verdade. Bom fim de semana também para si.

Um abraço

Anónimo disse...

Sabe sempre bem vir aqui. Tudo muito belo.

SILÊNCIO CULPADO disse...

Meg

Sempre encontras os caminhos onde as luzes estão acesas.
Ana Paula Tavares é aquela de agora, aquela que nos fala da dor do parto, do ser mulher, do grito enquanto as crianças dormem.
Fabuloso este poema.

Abraço

Meg disse...

Duarte,
Nem sei o que dizer depois de ler as suas palavras sobre o post, que agradeço do coração.
Um bom fim de semana
Um abraço

Meg disse...

Padeirinha,
Muito obrigada pelas palavras.

Um bom fim de semana e um abraço

Meg disse...

Lídia,

Obrigada também pelas tuas palavras, que tomo como um estímulo para continuar com esta mostra de autores quase desconhecidos.

Um bom fim de semana

Um abraço

Sei que existes disse...

Outra nova e enriquecedora descoberta!
Beijo grande

samuel disse...

Grande ligação de imagem e poesia...
Obrigado!

Anónimo disse...

meg:
continuo presente.
um beijo.
romério

Meg disse...

Sei que existes,
É sempre bom sabermos que há gente a escrever bem, só que fora dos circuitos mais comerciais.

Um abraço

Meg disse...

Samuel,
Ainda bem que gostaste! Obrigada.

Abreijos

Meg disse...

Querido Romério,
Eu sei que estás sempre presente com o teu apoio. Obrigada pelo carinho

Um beijo

Papoila disse...

Querida Meg:
Lindo poema de uma autora que não conhecia. Sempre grandes escolhas esta "Maternidade" !
Beijos

Bípede Implume disse...

Com a proximidade do Natal, não posso deixar de lhe associar o poema e o quadro de Almada Negreiros.
O acto de nascimento de Jesus de ter sido muito semelhante.
Mesmo o teu blog já se enfeitou de Natal que desejamos seja de paz.
Beijinhos para um longo fim de semana.

Mar Arável disse...

No meio do rio colhendo

o rio

Belo e expressivo

Meg disse...

Papoila,
Gostei de te ver de volta. Obrigada pelas tuas palavras.

Beijinhos

Meg disse...

Querida Isabel,
Magnífica a tua interpretação da Maternidade, relacionando-a com o Natal.
Que ele seja de paz e de concórdia.
Um bom fim de semana e um abraço

Meg disse...

Mar Arável,

e...

...enquanto as crianças dormem
seus pequenos sonhos de leite.

Obrigada, meu caro.

Um abraço

Moacy Cirne disse...

JÁ CONHECIA a bela poesia de Ana Paula Tavares, com suas imagens simultaneamene fortes e delicadas. Apreciá-la aqui é uma alegria e um prazer para todos nós. Parabéns, Meg, pela escolha e pela sensibilidade. Um beijo. Um cheiro. E um queijo do meu sertão.

São disse...

Agradece-se sempre as coisas que valem a pena...
Beijinhos.

Meg disse...

Caro Moacy,
Ana Paula Tavares é já presença habitual neste espaço... a sua poesia toca-me particularmente.
Se você também gostou, fico muito feliz.
Cheiros, queijos e beijos para um querido sertanejo.

Meg disse...

São,
Mas então sou eu que agradeço.
Uma boa semana.

Um abraço

C Valente disse...

Muito bem, encantador
Saudações amigas

Meg disse...

Caro Valente,
Muito obrigado, amigo!
Um abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

MEG

Florbela Espanca é especial e não há mulher que não se reveja, pelo menos uma vez ou outra, nos versos que ela escreveu.
Duma sensibilidade exacerbada (era bipolar)as suas mensagens são de grande intensidade como essa que constitui a chave deste soneto.
Nós quando amamos achamos que o nosso sentimento é único e o nosso caso especial, não ouvimos as vozes do vento que nos traz experiências de casos semelhantes porque o nosso é sempre especial e único.
Só nos apercebemos que não o é quando acaba como todos os outros e quando as nossas lágrimas, visíveis ou interiores, são tão salgadas quanto as demais.

Abraço