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20 de setembro de 2008

Requerimento


"[...] A vida que levo é um suposto mal entendido como, aliás, eu próprio. Existo com esta ironia que não é, esta tortura que não morre.
Quero fugir disto. Quero dormir.
Quero dormir e que não me belisquem pois é a dormir que não sonho comigo. Não posso pedir mais nada. Estou triste.[...]"

Requerimento de um cidadão desiludido consigo mesmo
Ilustríssima Senhora Vida
Distinta, Quero um poço fundo para morrer. Um poço fundíssimo onde morto eu não me possa rever. Um poço escuro, Ilustríssima senhora, um poço que arda entre o silêncio e a escuridão, um poço que doa só de nos vermos na sua vertigem, um poço que abra as vísceras terrenas da solidão.
Quero um poço fundo, um fundo poço para morrer e não outro poço que seja este em que me estou a perder. Longo, obtuso, fantasmagórico, com chamas que queimem, que subam aos olhos de quem me queira reaver.
Um poço por favor, é tudo o que estou a pedir-lhe, é tudo o que eu pretendo ter, um poço onde morra intranquilo como me condenou a viver. Porra que quero um poço, é tão difícil um poço onde a morte me possa merecer? Então dê-me, com urgência, com a veemência concreta de um ódio qualquer, mas que seja puro e mau e perverso e tenha lanças que me trespassem a barriga e me partam em absoluto a minha espinha dorsal.
Eu quero um fundo, um poço fundíssimo, um poço escuro para que possa morrer tão perfeito e completamente como nunca assim pude viver. Porra, um poço. E isso custa dar-me sem pedir-lhe deferimento? Custa tanto autorizar o que a faz rir?
Senhora minha e Ilustríssima, um poço bem mais fundo que o seu, bem mais escuro, bem mais vertiginoso, bem mais lamacento que o corpo com que a ele me vou atirar. Um poço, Digníssima, onde morto eu não a oiça nem falar nem tão pouco doer-se de respirar.
Um poço que seja talqualmente este fosso de onde lhe requeiro isto e onde a vida, depois que demitida, seja em si um sólido quisto. Atenciosamente Um baixíssimo cidadão Eduardo White

«««««««o»»»»»»»

26 comentários:

MPS disse...

Cara Meg

Não conhecia este "requerimento" de Eduardo White. Alguns poemas, sim, de que gosto muito.

O texto em apreço, entendido como um grito por aqueles que não sabem ou (já) não podem gritar é eloquente. Diz-nos aquilo que um ditado português sintetiza: mais vale a morte que tal sorte.

Se não for para entender assim, então não gosto do "requerimento": há angústias existenciais muito mais interessantes.

Um abraço (e só agora vou ao poema do Romério que já li mas não tive tempo de comentar)

Pata Negra disse...

Já sei a prenda que vou pedir para o Natal: um poço mas para nadar, já que não posso ter uma piscina!
Um abraço em estado de não-poesia

Carminda Pinho disse...

Meg,
que angustiado estaria o poeta quando escreveu este texto.
Espero que não tenha sido a angústia que te tenha levado a escolhê-lo.

Beijos

Sei que existes disse...

É uma pena tanta desilusão e tristeza...
Beijocas grandes

Amaral disse...

Meg
Um requerimento muito lúcido. Fez bem em nos presentear com ele. Boa semana
Abraço

Meg disse...

Cara MPS
Para querer um poço daqueles só poderia ser o tal grito do ditado popular. Assim o entendi também, por isso o pequeno excerto que antecede o texto, em que "pretendo" dar um sinal do estado de espírito do poeta.
Um abraço

Meg disse...

Pata Negra,
Um poço é capaz de não ser uma boa ideia, se a ideia é nadar,rsrsrs.

Um abraço

Meg disse...

Carminda,

Os textos de Eduardo White são mesmo assim... é neles que transparece uma grande dose de angústia.

Um abraço

Meg disse...

Sei que Existes

Mas é a vida que é mesmo assim... momentos de tristeza e os de alegria também.

Um abraço

Meg disse...

Caro Amaral,

Quantos de nós não passámos já por momentos desses?

Um abraço

Peter disse...

Não sei quem é Eduardo White, confesso a minha incultura, mas não sinto prazer em ler textos negativos.

Mariazita disse...

Querida Meg
Tive conhecimento da existência de Edaurdo White numa pesquisa que fiz sobre Poesia africana de Língua Portuguesa, para uns posts do meu blog, que publiquei com o título de "Poetas africanos" ( e ainda tenho alguns alinhavados para publicar).
Não sei se por eu ser naturalmente alegre e bem disposta, confesso que não gostei muito...
Isto não lhe tira valor, entende-me. É apenas um gosto pessoal.
De qualquer modo considero muito útil dar a conhecer exactamente aqueles que são menos conhecidos.
Isto quer dizer que fizeste muito bem em publicar!
Beijinhos
Mariazita

Mar Arável disse...

Num poço com água rasa

também nos podemos ver ao espelho

Meg disse...

Peter,
É uma forma deprimente de fazer aquilo que fazemos todos os dias... reclamar da vida.
É apenas um poema, Peter, e a tua opinião é respeitável e, como sempre, respeitada.
Um abraço

Meg disse...

Mariazita,

É precisamente a divulgação de autores quase desconhecidos.
Aceito que este texto seja um pouco "forte", mas por isso o antecedi de uma espécie de introdução (excerto) feita pelo próprio autor num outro texto.

Mas estou a perceber que Eduardo White vai bem fundo neste texto... que incomoda. Contingências de um Requerimento.
Um abraço

Meg disse...

Mar Arável,

Um poço pode ser tantas coisas!

Um abraço

Anónimo disse...

Que imenso e terrível pessimismo e que angústia viver assim! Se olharmos á nossa volta com atenção veremos dramas muito maiores que os nossos, mas dizer é fácil o pior é quando nos acontece.... Insolúvel!

Anónimo disse...

Este poema é lamentavelmente deprimente! A arte deve (sempre que possível) transmitir cores alegres e mensagens de esperança (ali onde o cenário dificilmente se pode pintar com cores alegres). Eduardo White deveria brindar-nos com mensagens mais positivas.

José Lopes disse...

Desejos e um poço, porque não um poço dos desejos? Afinal o poço já existe e podemos desejar coisas mais alegres, que de tristezas está este mundo cheio.
Cumps

f@ disse...

É verdade que às vezes se pensa num poço para cair ... mas se sabemos nadar ... o abismo de ser mesmo difícil nos dias de hoje haver o tal poço com água de verdade... mtos estão secos e morreria-mos do embate no solo... eu gosto de água...
beijinhos das nuvens

Meg disse...

Jo,
Todos os dias nos entram pelos olhos dentro imagens que nos fazem pensar neste Requerimento do Eduardo White. Sei que não é fácil...mas que existem, lá isso existem.
Um abraço

Meg disse...

Anónimo,

Entendo que não seja agradável ler este texto, mas talvez não tivesse este impacto se fosse escrito por um nome sonante. Munch não teria pintado O Grito, a nossa Paula Rego não teria pintado as mulheres como as pinta - horríveis. Herberto Helder não será um pessimista?

Um abraço

ps: gostaria que deixasse um nome ou umas iniciais, será possível?

Meg disse...

Amigo Guardião,

Não imaginava que este poço fosse incomodar tanto, talvez fosse melhor ter um poço de desejos realmente, mas de vez em quando devemos olhar para o lado e pensar no ditado: mais vale a morte que tal sorte...

Um abraço

Meg disse...

F@,
Gostei do seu comentário.
Pelo sim, pelo não, não gosto de poços, com ou sem água.
Um abraço

Carla disse...

sufocante a angústia deste "requerimento"...gostei imenso de ler
beijos

SILÊNCIO CULPADO disse...

Dói, Eduardo White. Dói porque a dor é legítima e não se deixa comprar.