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16 de novembro de 2008

Vestia um Vestido de Bailarino

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Paris through the window, 1913-Chagal
Vestia um Vestido de Bailarino
Vestia um vestido de bailarino quando, logo ao segundo dia, trocando cêdês e livros de poesia, me declarou a sua amizade.
Passávamos tardes inteiras a discutir fantasmas, asmas,
histórias da infância e coisas da beleza grega e pós-moderna.
Dou graças por viver em tempos de correio electrónico, arrumo
tudo nas pastas e depois não há provas. Nunca mais se sentirá
o cheiro do fogo queimado, as folhas negras, o prazer do fósforo.
Num rápido gesto tudo para sempre apagado e a minha memória.
dura o tempo de uma tecla, nem de versos se vai lembrar.
Mas quando o amigo, enfim, cansado de eu não lhe ligar, decide
pôr tudo em pratos limpos, eu coro de vergonha porque
amizade para mim não tem de ser ir para a cama. Isto que toda a gente
sabe fora dos poemas faz tremer a minha mão pelo lado do vulgar.
Andaste por beja, braga, bordéus e alexandria a engatar marinheiros
e eu aqui, gostando de ti, com saudades de ti, mandando-te dinheiro.
Uma vez por outra ia também um poema, daqueles ambíguos
que tu nuncas percebias. Toma cuidado, não apanhes sida.
Quando recebi a notícia da tua morte vi-me culpado por não ser
da tua onda, meti-me no avião e, tal como tínhamos combinado,
vesti-te a rigor e pus-te brilhantina, um livro em branco e uma caneta.
Quem sabe se na morte não terei tempo para ser escritor. .
. Helder Moura Pereira
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"Lágrima"
Assírio & Alvim, 2002
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«««««o»»»»»
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44 comentários:

Menina do Rio disse...

Divinamente lindo! E comovente!
Pois é Meg...quanta coisa a ser vivida e dita e quando vemos, passou-se o tempo de uma vida!

Um beijinho pra ti

Agulheta disse...

Meg. Palavras divinais e de grande sentimento,adorei; a pintura a ilustrar muito bela.
Beijinho e boa semana

Luis Eme disse...

o amar é tão diverso, Meg...

Carminda Pinho disse...

Ninguém pode escolher o amor verdadeiro, não é?
Este poema é de uma sensibilidade, que fiquei com um brilhozinho nos olhos.

Boa semana, Meg.
Beijos

Meg disse...

Menina do Rio,
É verdade, só quando perdemos as pessoas é que nos lembramos de quanto ficou por dizer!


Um abraço

Meg disse...

Lisa,
Obrigada pelas tuas palavras. A sensibilidade enche o poema.

Um abraço

Meg disse...

Caro Luis Eme,
Tão diverso e tão mal interpretado ainda tantas vezes!

Um abraço

Meg disse...

Carminda,

O amor é o amor, só...cego, surdo e começa a ser também corajoso!

Um abraço

Filoxera disse...

Elaborado e simples. Belíssimo.
Beijos.

Anónimo disse...

meg:
um poema forte e um chagal que
acompanha.um abraço a todos.
um beijo.
romério

Mar Arável disse...

A morte não existe

é uma invenção dos vivos

Meg disse...

Filoxera,
Não é um poema fácil, minha amiga, mas é muito belo.
Um abraço

Meg disse...

Querido Romério,
Gostaste do Chagal para este poema?
Isso me deixa feliz, assim como a tua presença.

Como sempre, os amigos receberão o teu abraço

Um beijo

Meg disse...

Mar Arável,
Lamento contrariar, mas a morte é a única coisa que temos certa na vida... mais cedo ou mais tarde mas nunca faltará.
às vezes também a inventam, é verdade.

Um abraço

Mariazita disse...

Maravilhoso texto.
Mas...minha querida, sabes escolher aqueles que obrigam a ler com muita atenção - ou reler - para se apreender completamente!
Percebes que isto não é uma crítica, pelo contrário, é um elogio...
É como o Chagal - também não se pode dar uma olhada e pronto! É preciso olhar com olhos de ver.
Uma boa combinação.

Uma noite feliz.
Beijinhos
Mariazita

Bípede Implume disse...

O que eu gosto mesmo é do primor da tua escolha. Porque é ai também, que está a sensibilidade.
Tudo perfeito.
Obrigada Meg.
Grande abraço.

De Amor e de Terra disse...

Não me lembro se algum dia li algo deste autor, mas gostei, MUITO.
E é extraordinário ver como as mesmas palavras, podem ser agrupadas de maneira tão diferente
e sempre tão harmoniosa, que geram a diferença entre escritas...
Obrigada Amiga!
Beijos
Maria Mamede

PS.:-Não importa quando, hei-de agradecer-te ao vivo, as palavras que me dizes, sempre tão carinhosas.
M.M.

Meg disse...

Mariazita,
Por isso eu costumo dizer que há poemas que não são fáceis de ler. São exigentes na leitura... mas é isso que é importante. Ler para pensar.

Um abraço

Meg disse...

Bípede Implume

Isabel, às vezes é o mais difícil... encontrar a imagem para o poema. Mas com um pouco de paciência, vai-se fazendo o possível. Obrigada pelas tuas palavras.
Um abraço

Meg disse...

Maria Mamede,
As tuas palavras são sempre como um balsamo para a minha inquietação sobre o valor do que aqui partilho convosco. Daí o meu obrigada pelo carinho.

Um abraço

Amaral disse...

Meg
Palavras para quê. Mais uma bela escolha, mais um belo poema.
Parabéns.
Abraço

duarte disse...

seria tão bom estar à janela,olhando para dentro sentindo o que vai por fora...
duarte sem versos

Meg disse...

Caro Amaral,
Muito obrigada, a busca é constante
para trazer aqui os meus poemas preferidos.

Um abraço

Meg disse...

Caro Duarte (sem versos)

Bom esse sentir, certamente, mas... e o oposto, como seria?
A nossa imaginaçãp pode ser prodigiosa!

Um abraço

duarte disse...

seria estar completo...isto é,se conseguissemos fazer as duas coisas simultaniamente...
duarte a apreciar perspicácia

Meg disse...

Caro Duarte
...a apreciar a perspicácia,

E deixava de haver mistério.
Esvaziava-se a necessidade de perspicácia.

Um abraço... desconcertado

duarte disse...

outro para,si...para concertar.
duarte(felizmente)incompleto

Meg disse...

Duarte,

Disse bem... felizmente incompleto, ou não fosse daqui a recalcitrante.

Abraço

São disse...

Obrigada por me dares a conhecer um poeta deste nível.
Bem hajas!

Violeta disse...

mas que lindo texto. Obrigada!

Meg disse...

São,
É realmente um grande poeta, embora pouco divulgado.

Um abraço

Meg disse...

Violeta,
Ainda bem que gostou do poema. Fico muito feliz.

Um abraço

Peter disse...

Não gostei dos versos. E quanto a Chagal não é das minhas preferências.
Aliás, depois duma exposição de fotografias de CUS patrocinada pelo Governo, virei 180º e penso que na Arte há limites para tudo e eu não sou trouxa para enfiar barretes.
Claro que o artista é livre de se exprimir, como eu sou livre de gostar ou não.

Abraço

Anónimo disse...

É engraçado como as pessoas são diferentes...O Peter não gostou do poema nem aprecia o Chagall é um pintor "perfeito" que nunca me canso de olhar e estes versos que publicas são maravilhosos pois calcam bem fundo na nossa alma.

C Valente disse...

encantado
Saudações amigas

Meg disse...

Peter,
Lamento que não tenhas gostado deste post... e estás no teu pleno direito.
Sei que são temas controversos e cada um tem o seu ponto de vista sobre o tema. Sem dramas, meu amigo.

Um abraço

Meg disse...

Luisa,

É como vês, cada cabeça cada sentença, mas neste como noutros casos não se pode agradar a gregos e a troianos. Por isso respeito os gostos de cada um, sem dramas, como não podia deixar de ser.

Um abraço

Meg disse...

Caro Valente.
Pelos vistos gostou... obrigada pela visita.

Um abraço

jorge esteves disse...

Nunca tinha imaginado qual Arlequim a contas com as tecnologias modernas!...
Bela história!


abraços!

Moacy Cirne disse...

Um vestido de bailarino e histórias da infãncia / livros de poemas e gestos rápidos / viagens marinheiras e coisas de beleza: o que seria da vida sem a poesia, mesmo com a morte a nos espreitar?

beijos
cheiros
queijos

Meg disse...

Tinta Permanente

A poesia também pode trazer-nos surpresas...boas.

Um abraço

Meg disse...

Meu caro Moacy,
Onde há vida, a morte sempre espreita... é a única coisa que temos certa.
Suas palavras soam sempre como um carinho, para mim.

Beijos, queijos e cheiros!

SILÊNCIO CULPADO disse...

Meg
Lindo, lindo e tocante.
Tão rápida a voragem do tempo e quantos livros e coisas de outros tempos foram desfolhados. Há muito , muito tempo, aquela eternidade que separa o papel da electrónica.

Abraço

Meg disse...

Lídia,

Pois é, são os tempos modernos, minha amiga.

Um abraço