A papoila, óleo de Maria Azenha
em abril dilacerado
era uma vez uma voz
que habitava uma casa
e dentro desta casa
habitava uma menina sem voz
e dentro da menina
uma cidade sem janelas
e dentro da cidade
uma guitarra enorme
era um país sem asas
um país sem norte
um país sem casas
um país sem voz
e tudo o que nos mata
a palavra cobre
e tudo o que nos move
a palavra ata
e todos os jardins
foram arrancados
por causa da memória
deste país tão pobre
era um país sem asas
um país sem norte
um país sem casas
um país sem voz
e as lágrimas da menina
engoliram a cidade
em abril dilacerado
com arames em volta
Maria Azenha
[2003]
15 comentários:
Um calendário sem Abril, é um calendário sem asas, sem norte,
sem casas, sem voz, sem tempo...
Um país sem voz...
É uma pena que as vozes não se levantem em defesa da Justiça neste pobre país.
Abraço do Zé
Parabéns a Maria Azenha e obrigada a ti por a teres colocado nas duas vertentes artísticas.
Portugal sem Abril é , de novo, Portugal perdido na infâmia e na exploração dos mais pobres.
Um abraço grande.
Belo poema, pungente vermelho-poema.
Abril vive, viveu até clandestino.
Avec le temps...
sabes? temos saudades da esperança. Eu acho, eu tenho.
E já não há espaço para mais nada, só este fogacho que mantemos. Mas temos.
Bjinho
Enorme realidade...começando no título.
Bj
Acho esta edição magnífica, Meg.
O poema é excepcional.
A ilustração está adequada e perfeita por encher o campo de cor e luz em contraponto à mensagem do poema a encorpar uma certa desilusão.
Bem hajas.
Bjs
entretanto
há cravos
que resistem
por amor
Caro JRD
É verdade...
Mas sem tempo ando eu deste lado de cá, e disso me penitencio junto dos amigos.
Um abraço
Zé Povinho,
Tu bem tentas gritar mas não está a ser fácil... ou a voz não é suficientemente forte... para defender a justiça e "limpar" a Justiça.
Beijo
São,
A pobreza é um atentado que envergonha a humanidade em pleno séculoXXI... parece que voltámos à Idade Média.
Beijos para ti
Querida Bettips,
Será que não temos todos (ou quase) saudades do futuro que pressentimos mas não fomos capazes de atingir?
Onde se perdeu esse futuro que nos é negado? Se eu soubesse!
Beijo, beijo, beijo!!!
Ana,
E nada mais resta realmente que um Abril dilacerado, de que a Maria Azenha tão bem fala.
Beijo
Caro JPD,
As tuas palavras são um incentivo para continua, numa altura em que o cansaço começa a agarrar-me, e a deixar-me com poucas forças para no pouco tempo que tenho, manter este espaço.
Pelos amigos, continuo a tentar vir aqui, ainda que - por motivos profissionais - mais espaçadamente.
Mas com um carinho redobrado para aqueles que mesmo assim, continuam a dar-me o grato prazer da sua presença, comentando ou não.
Esta é uma mensagem que deixo a TODOS,
e a si particularmente.
Um beijo
Mar Arável,
O meu receio é que os cravos se tenham esgotado na memória do tempo.
Um beijo
Sempre que se vir um cravo
se pensará na nossa revolução.
E sem conta se contarão no futuro.
Fica, Meggy - é uma corrente imperdível, a que temos-aprendemos.
Bj da bettips
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