William Turner: O incêndio no Parlamento, 1835.
Cleveland Museum of Art
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"É grave a situação de Portugal.
São grandes as dificuldades que embaraçam a vida política da nação.
Confusão e incoerência nos princípios, grande desordem nas finanças;
enfraquecimento deplorável da autoridade, dentro dos limites da constituição e das leis;
falta de confiança na vitalidade do país e nas suas faculdades políticas e económicas;
um desalento injustificável através do qual se esconde um perigoso indiferentismo;
a violência mais exagerada nas lutas dos partidos, sem que lhes corresponda nem o vigor das convicções nem a ousadia dos cometimentos;
tendência funesta a rebaixar tudo e todos;
paixões em vez de crenças;
preconceitos em vez de ideias;
negações em vez de afirmações, tanto no domínio dos princípios como no dos factos;
desconfianças em vez de esperanças e falta de fé na liberdade;
são cousas de desorganização e ruína para uma nação, por maior que seja o seu poder, por mais gloriosas que sejam as suas tradições.
Em Portugal dão-se muitas dessas circunstâncias que abatem a energia das nações.
É uma dolorosa verdade. Mas é verdade também que o mal, ainda que grave, não é sem remédio.
É mais aparente do que real.
(será???, digo eu!)
Em Portugal há todas as condições de uma verdadeira nacionalidade."
Andrade Corvo
Perigos (excerto - 1870)
Economista, homem de ciência, militar, parlamentar e político português, João de Andrade Corvo nasceu a 30 de Janeiro de 1824, em Torres Novas, e faleceu a 16 de Fevereiro de 1890, em Lisboa. Frequentou os cursos de Matemática e Ciências Naturais, Engenharia e Medicina. Em 1866, tornou-se ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria, tendo desenvolvido leis proteccionistas e construído o caminho-de-ferro do Minho ao Douro. Em 1872, foi-lhe entregue a pasta da Marinha e Ultramar e depois a dos Negócios Estrangeiros. Leccionou na Escola Politécnica de Lisboa e no Instituto Agrícola. Criou a Sociedade Escolástica Filomática com vários amigos, como Latino Coelho, Mendes Leal e Rebelo da Silva.
No entanto, para além de político, foi também dramaturgo e romancista. Colaborou em vários periódicos, entre os quais a Revista Universal Lisbonense, o Mosaico, o Arquivo Universal, a Revista Contemporânea de Portugal e Brasil ou A Época, onde publicou vários textos dramáticos: Nem tudo o que luz é ouro, de 1849, Um conto ao serão, de 1852, O astrólogo e O aliciador, ambos de 1859. Entre 1850 e 1851, publicou o romance histórico em quatro volumes Um ano na corte, que se destaca dos seus congéneres pela acuidade psicológica, elogiado pelo próprio Alexandre Herculano no prefácio das Lendas e narrativas. Publicou ainda o romance Sentimentalismo, de 1871, e a colectânea Contos em viagem, de 1883, de temática actual.
Bibliografia: D. Maria Teles, 1849; Botânica Elementar, 1850; Um ano na corte, 1850-1851; Murmúrios, 1851 (poesias); A Instrução Pública, 1866; Sentimentalismo, 1871; O Livro do Lavrador, 1875; A Agricultura e a Natureza, 1881; Contos em viagem, 1883; Estudos sobre as Províncias Ultramarinas, 4 vols., 1883-1887
7 comentários:
Meg
Mais um texto cuja actualidade é espantosa.
Às vezes questiono-me sobre a razão pela qual os políticos tanto desprezam o conhecimento histórico, ou pelo menos não o valorizam.
Um beijinho
É muito arriscado fazer a comparação entre a segunda parte do Sec XIX, após o Fontismo, até à queda da Monarquia e a crise actual.
Mas as queixas que a Geração Perdida, a de Eça e Antero tanto propalaram, na aparência parecem replicar-se.
A História repete-se?
Os homens, os políticos repetem o fracasso e a falta de imaginação para encontrar e motivar os portugueses para um desígnio?
Parece que sim.
Bjs
A situação é grave, não só cá mas em toda a Europa. Se tem remédio? Talvez tenha, mas o processo será doloroso porque com as actuais lideranças não vamos lá.
Cumps
Incrível a quantidade de textos antigos, neste teor, que nos têm sido revelados nos últimos tempos.
São um pau de dois bicos: por um lado ajudam-nos a compreender os problemas, por outro, podem contribuir para um certo conformismo. Mas venho eles! Este não conhecia! Se o tivesse lido como se tivesse escrito hoje, comia-o!
Abreijos marca Negra
As imagens de férias são tão repousantes...
O país está em crise desde sempre.Aliás, nasceu de uma crise!
Um abraço.
Será que vai ser a nossa geração a mudar as coisas de vez? Será que depois da tosquia em curso aprendemos a rebelar-nos contra o "fado nacional"?
Abraço do Zé
Para além do desvario vergonhoso dos governantes, os portugueses não querem dar a volta por cima. Está na mão deles, na atitude, no arregaçar das mangas, no trabalhar.
Metade do país não quer trabalhar, outra metade está na reforma.
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