A diferença está nos fraques, nos taquígrafos, no telégrafo e pouco mais... minudências!
[...]
«Caminhamos para uma ruína! - exclama o Presidente do Conselho.
- O défice cresce! O País está pobre! A única maneira de nos salvarmos é o imposto que temos a honra, etc...»
Mas então o partido regenerador, que está na oposição, brame de desespero, reúne o seu centro. As faces luzem de suor, os cabelos pintados destingem-se de agonia, e cada um alarga o colarinho na atitude de um homem que vê desmoronar-se a Pátria!
— Como assim! - exclamam todos - mais impostos!?
E então contra o imposto escrevem-se artigos, elaboram-se discursos, tramam-se votações! Por toda a Lisboa rodam carruagens de aluguel, levando, a 300 réis por corrida, inimigos do imposto! Prepara-se o cheque ao ministério histórico... Zás! cai o ministério histórico!
E ao outro dia, o partido regenerador, no poder, triunfante, ocupa as cadeiras de S. Bento. Esta mudança alterou tudo: os fundos desceram mais, as transacções diminuíram mais, a opinião descreu mais, a moralidade pública abateu mais - mas finalmente caiu aquele ministério desorganizador que concebera o imposto, e está tudo confiado, esperando.
Abre a sessão parlamentar. O novo ministério regenerador vai falar.
Os senhores taquígrafos aparam as suas penas velozes. O telégrafo está vibrante de impaciência, para comunicar aos governadores civis e aos coronéis a regeneração daPátria. Os senhores correios de secretaria têm os seus corcéis selados!
Porque, enfim, o ministério regenerador vai dizer o seu programa, e todo o mundo se assoa com alegria e esperança!
- Tem a palavra o Sr. Presidente do Conselho.
- O novo presidente: «Um ministério nefasto (apoiado, apoiado! - exclama a maioria histórica da véspera) caiu perante a reprovação do País inteiro. Porque, Senhor Presidente, o País está desorganizado, é necessário restaurar o crédito. E a única maneira de nos salvarmos...»
Murmúrios. Vozes: Ouçam! ouçam!
«...É por isso que eu peço que entre já em discussão... (atenção ávida que faz palpitar debaixo dos fraques o coração da maioria...) que entre em discussão - o imposto que temos a honra, etc. (apoiado! apoiado!)»
E nessa noite reúne-se o centro histórico, ontem no ministério, hoje na oposição.
Todos estão lúgubres.
- «Meus senhores - diz o presidente, com voz cava. - O País está perdido! O ministério regenerador ainda ontem subiu ao poder, e doze horas depois já entra pelo caminho da anarquia e da opressão propondo um imposto! Empreguemos todas as nossas forças em poupar o País a esta última desgraça!
- Guerra ao imposto!...»
Não, não! com divergências tão profundas é impossível a conciliação dos partidos!
Eça de Queiroz,
Uma Campanha Alegre, 1871
12 comentários:
Sem comentários. Penso da mesma forma.
Beijo
Mais um "Déjà vu", nesta fatalidade histórica que nos consome.
Abraço
Impressionante!
:)
A coisa já vem
de longe
Grande Eça....
E não é que a História se repete?
E não é que isto de viver é mesmo cíclico?
Ou andamos todos metidos na máquina do tempo e o que mudou foram só minudências?
Excelente e oportuna referência!
Um beijinho, Meg
rrrrrssbuuáááa´
Já não sei se ria se chore ao ver a repetição da História....
Ainda assim, viva a República!
Um abraço.
A História não se repete, mas lá que as parecenças são muitas, lá isso são! Os políticos não sabem nada de História e é por isso que repetem os mesmos erros.
Cumps
Custa um bocado, mas é verdade:
A actualidade dos textos de Eça é tremenda.
A República está decadente!
Boa edição, Meg
.....e assim continuará ser...
JHS
Bom domingo, sem chuva nem vento, linda
Estamos perdidos, se não correr mos com estes (des) govenantes.
Abraço do Zé
Querida Meg
Mas "isto" não tem conserto mesmo.
Beijinho e bom fim de semana.
Isabel
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