(excerto)
Eu gostava de poder fugir a esta realidade tão fulminante. Dizem-me os amigos para enfrentar o problema, para agarrar o touro pelos cornos. Aliás, dizem-no sempre quando isto não é o que se passa com eles.
Não tenho dinheiro. Gastei-o a exilar-me em mim mesmo. No álcool, algumas vezes. A pagar rodadas dele aos amigos para não ficar sozinho. Tenho um pavor à solidão. É-me corrosiva e não sei viver com ela.
Penso, como consequência, em partir. Para onde? Não sei, se tivesse dinheiro era para uma ilha.
Vejo-a:
Um pássaro revolve as asas por dentro do verde esbatido do mar. Traça a casa líquida que às estrelas, certamente, o seu piar vai dar. A história é-lhe longe, são formas entrecortadas, sobre a espuma amarelecida, dos navios cargueiros que beijam lentos o horizonte e movem silenciosos outras cargas.
A ilha suspende-se entre o vento e um negro reluzente cruza a praia com os olhos lavrando as areias.
Não sei se reza, mas que pensa é mais que evidente. Testemunham os brancos cabelos e as mazelas no caqui dos desbotados calções.
Cheira a marisco a brisa que inalam as narinas dentro desta paisagem e a cânfora, alguma, das memórias que ela desenha.
As redes que sobre o chão encontro estendidas, são cartas oceânicas que escreve o fundo do mar. Do texto salta a prata dos peixes, o verde amaciado das algas e uma estrela imóvel que explode, por dentro, a terra toda a girar.
Claro que a areia as grava. Nessa forma de escrita mais milenar que a geringonça mágica de Gutemberg.
Porque Deus descansa aqui, ao cair da noite.
Silenciosamente medita por entre as lágrimas das tartarugas que junto a ele vêm desovar, ou de um negro macúa, estirado sobre o desgosto, a chorar um amor que, por teimosia, não quer morrer.
Vão longe, a navegar, os versos da miséria que do Luís de Camões a história quis esconder. Os ducados que nunca teve, nem para voltar nem para morrer, servem outros reinados e engordam a mesa dos que ainda julgam que poeta bom só miserável pode escrever. Lêem e estudam o que não dizem os poemas, sábios doutores esses universos etários, e nem com verdade podem entender, entretanto, o que eles explodem e doem e fazem crescer no coração esquecido dos seus autores.
Por isso a Ilha é calma. Tonta de tanta quietude e, talvez, será o que querem dizer as faces delicadas das suas negras, as mãos talhadas dos seus ourives.
Assim, o meu velho Camões, macúa zarolho só por ter visto sempre demais, terá, talvez, ali, amado o seu negro, seus humanos adamastores e com eles provado essa fatalidade incontornável de ser poeta sem ilha na ilha extensa dos que nela, até hoje, não o sabem ler.
Mas era para lá que eu queria partir.
Eduardo White
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26 comentários:
Eu também ia... para esta porque sim.
Não podendo ser esta, outra mais perto.
Beijo, Meg.
Eu só queria mesmo era partir, só por partir e partir tudo!
Um abraço não partido
Meg
Às vezes, porque às vezes me apetece tanto partir para qualquer lado, eu também partiria. E porque não para o lugar onde Deus descansa ao cair da noite? Haverá porventura melhor paraíso?
Beijinho
Meg:
Que texto mais condicente com o meu estado (chamemmos-lhe) de espírito!
Beijinho
Meg minha amiga! Neste momento também me apetecia parttir,para uma ilha rodeada de mar,sonhar com outras coisas,mais riais que actualmente.
Beijinho de amizade
Lisa
Maria,
Pelo que já aqui li, parece que vamos ter uma "excursão".
Para qualquer lado, minha amiga!
Beijos, de cá!
Pata Negra,
Partir mas... sem partir.
Vamos todos, salvo seja, porque há gente que se dá muito bem por cá.
Um abraço um bocadito cansado.
Maria João,
Basta olhares para as fotografias e isso sente-se. Não se consegue descrever.
Beijos
Ana,
Então junta-te a mim. Ou pensas que o tamanho das fotografias é inocente?
É um mergulho no meu passado.
E uma saudade imensa.
Beijinho para ti
Lisa,
Já viste como o sentimento é geral?
Pois é... a realidade está difícil, minha amiga! Por isso este sonho de partir. Cansaço.
Beijinho amigo
Meg
Estou simplesmente deslumbrada com tudo que aqui encontrei! Maravilha!
Parabéns!
Um abraço
PS-Fiquei muito feliz ao encontrá-la entre meus seguidores... Uma honra!
Obrigada.
Outro abraço
Meg
Eu acho que tens muitas solidariedades nesta tua vontade de partir... Eu também ia. Para longe. Ilha só porque sugere que os males que levam à vontade de ir, teriam mais dificuldade em correr atrás.
:)))
Olá
Como no próximo domingo, dia 9 de Maio, se celebra o Dia das Mães no Brasil, resolvi fazer uma pequena homenagem às minha amigas brasileiras, publicando, no SÁBADO, um post no meu blog OLHAI OS LÍRIOS DO MACUÁ
Lá encontrará um pequenino presente que fiz para TODAS as minhas amigas, sem excepção.
Espero me dê o prazer de ir buscá-lo e colocar na sua sidebar.
Até lá, obrigada.
Beijinhos
Mariazita
PS - Voltarei para comentar logo que possível.
Está em marcha uma candidatura verdadeiramente revolucionária à presidência da república. Para que ela ganhe dimensão pública suficiente para acordar uma democracia, adormecida nos sofás que estão frente às televisões dos portugueses, é necessário que assines e divulgues, por tudo o que é WEB, a petição "Pata Negra à presidência da República" em http://www.ipetitions.com/petition/patanegra/
Fugir a isto? Faço-te companhia!
Porque de facto as coisas estão ficando insuportáveis!!
Um excelente fim de semana. linda.
Belissímas fotos, penso que talvez a maioria de nós gostaria de partir para um local mágico como esse , mas... sem ser com o intuito de fugir, pois podemos fugir de tudo menos de nós
beijinhos
Eu não sei se gostava de lá voltar, apesar da boas memórias que tenho do lugar. Outras ilhas estão no meu programa no presente, ainda que com outra luz e outro sol.
Abraço do Zé
Magia é o que as fotos transmitem, de um tempo e de um espaço que nunca devia ter deixado de 'existir'...
Zélia,
Muito obrigada pela sua visita r pelas palavras tão bonitas.
Conhecer o seu blog foi também um prazer.
Espero continuar a merecer a sua passagem por aqui...
Um beijo
Mdsol,
A vontade enorme de partir, vai aumentando com o cansaço, mas como isso é impossível - partir - refugio-me nas memórias, nas imagens.
Beijo
Mariazita,
Apesar de a data já ter passado, agradeço-te da mesma forma.
Um beijo
Pata Negra,
Apesar dos pesares, arranji tempo para assinar e... passar.
Um destes dias apareço por aí... estou vencida pelo cansaço.
Um abraço amigo
São,
Insuportáveis é pouco.
Sinto-me, além de cansada, INTOXICADA!
Beijos para ti
Multiolhares,
Mas eu não quero fugir de mim... quero fugir sozinha COMIGO.
Beijos
Zé,
Então aproveita... e o mais depressa possível. Não adies os sonhos.
Eu só sonho.
Um abraço
Sofá Amarelo
nunca devia ter deixado de existir...
assino por baixo.
Beijos
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