Jacarandás
METAMORFOSE
ao poeta José Craveirinha
quando o medo puxava lustro à cidade
eu era pequeno
vê lá que nem casaco tinha
nem sentimento do mundo grave
ou lido Carlos Drummond de Andrade
os jacarandás explodiam na alegria secreta
de serem vagens e flores vermelhas
e nem lustro de cera havia
para que o soubesse
na madeira da infância
sobre a casa
a Mãe não era ainda mulher
e depois ficou Mãe
e a mulher é que é a vagem e a terra
então percebi a cor
e a metáfora
mas agora morto Adamastor
tu viste-lhe o escorbuto e cantaste a madrugada
das mambas cuspideiras nos trilhos do mato
falemos dos casacos e do medo
tamborilando o som e a fala sobre as planícies verdes
e as espigas de bronze
as rótulas já não tremulam não
e a sete de Março chama-se Junho desde um dia de há muito
com meia dúzia de satanhocos moçambicanos
todos poetas gizando a natureza e o chão no parnaso das
balas
falemos da madrugada e ao entardecer
porque a monção chegou
e o último insone povoa
a noite de pensamentos grávidos
num silêncio de rãs a tisana do desejo
enquanto os tocadores de viola
com que latas de rícino e amendoim
percutem outros tendões de memória
e concreta
a música é o brinquedo
a roda
e o sonho
das crianças que olham os casacos
e riem
na despudorada inocência deste clarão matinal
que tu
clandestinamente plantaste
Aos Gritos
Luis Carlos Patraquim (in "Monção", Maputo/Lisboa, 1981)
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Luís Carlos Patraquim nasceu em Lourenço Marques (actual Maputo), Moçambique, em 1953.
Colaborador do jornal A Voz de Moçambique, refugia-se na Suécia em 1973. Regressa ao país em Janeiro de 1975 integrando os quadros do jornal A Tribuna.
Membro do núcleo fundador da AIM (Agência de Informação de Moçambique) e do Instituto Nacional de Cinema (INC) onde se mantém, de 1977 a 1986, como roteirista/argumentista e redator principal do jornal cinematográfico Kuxa Kanema.
Criador e coordenador da Gazeta de Artes e Letras (1984/86) da revista Tempo. Desde 1986 residente em Portugal, colabora na imprensa moçambicana e portuguesa, em roteiros para cinema e escreve para teatro. Foi consultor para a Lusofonia do programa Acontece, de Carlos Pinto Coelho e é comentarista na RDP-África.
Publicou Monção (1980); A inadiável viagem (1985); Vinte e tal novas formulações e uma elegia carnívora (1992); Mariscando luas (1992), em parceria com Chichorro e Ana Mafalda Leite; Lidemburgo Blues (1997) e O osso côncavo, 2005.
Foi distinguido com o Prêmio Nacional de Poesia, Moçambique, em 1995
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42 comentários:
Nossa... Adorei! O texto e os jacarandás...
Um beijo pra ti querida
Nem sei como te agradecer, Meg. Nem por onde começar...
São belos os jacarandás, é belo o Craveirinha e este poema do Luis Carlos Patraquim arrepiou-me...
Obrigada!
Um abraço forte, deste lado nosso
Belíssimo...tudo e eles, estou como a Maria, arrepiada.
HAJA ESPERANÇA nesse lugar verde. Onde ela parece despontar com força, felizmente!
Bjinho
Craveirinha me agrada e gostei desta homenagem, claro.
Bem hajas!
Meg
Parabéns. Por três motivos: os jacarandás (lindos... adoro), pelo poema (desconhecia o autor) e pela referência a um grande nome da Poesia (José Craveirinha).
Boa semana
Abraço
Verónica,
Que bom teres gostado dos "meus" jacarandás!
Um beijo
Maria,
São coisas "nossas", Maria. Fico feliz por teres gostado.
Fico feliz.
Beijinhos
Querida Bettips,
É verdade o que dizes...a ESPERANÇA desperta com força por lá.
Mas ainda temos de ajudar.
Beijinhos
São,
Fico feliz por gostares de Craveirinha... será que andaste pelos mesmos caminhos do lado de lá do mar!
Um beijo
Amaral,
Fiquei muito feliz com as suas palavras.
Deixo-lhe um abraço
Meg. Tanta coisa bela num post só,os jacarandás belos com suas cores,Craveirinha e o poema lindo,e ficou num dia muito especial para mim.
Beijinho e bom feriado
eh pá...agora sim...preencheu-me as medidas...
que texto fantástico,este...
já o li três vezes,e a cada virar de verso encontro algo novo...
que bela pura e dura metamorfose...
um hino às madrugadas às primaveras que hão-de sempre vir,cada vez mais completas...
obrigado,não...MUITO obrigado
duarte com o inverno colado à pele.
Conhecia o nome mas desconhecia a obra. Bonitos os jacarandás.
Abraço do Zé
Lisa,
É com muito carinho que tento chegar ao coração dos meus amigos.
Se consigo, fico muito feliz.
Beijo para ti
Duarte,
O poema é de facto muito intenso, e por vezes, como é o caso agora, exige mais que uma leitura. Se lhe agradou, fico feliz...
Um abraço
Amigo Zé,
Como quase sempre, foi mais um poeta com uma obra pouco divulgada.
Ah... os jacarandás, Zé! Viajaste para longe, posso imaginar.
Um abraço da Meg
Uma bela homenagem a José Craveirinha. E a nós que por lá andámos, diz muito.
Os jacarandás são de sonho.
Uma boa semana, amiga.
Beijinhos.
Um poema "forte" como o azul/violeta dos jacarandás. Bonita homenagem ao José Craveirinha.
Belas imagens optimo poema, linda homenagem
Saudações amigas
meg:
vejo que as coisas mudaram.um beijo.
romério
Isabel,
Craveirinha há só um.
Com os jacarandás vêm as saudades. não é?
Beijos
Peter
Obrigada pelas tuas palavras.
Sobre o José Craveirinha penso que já está tudo dito.
Um abraço
Caro Valente,
Homenagem simples mas do coração, meu amigo.
Um abraço
Querido Romério,
Sim, as coisas mudaram, tinham que mudar. Aquela não sou eu.
Um beijo
Também adoro o efeito colorido que os jacarandás em flor produzem.
Quanto ao poema, voltarei para lê-lo mais acordada. Tive um dia desastroso, agora só vim preparar o post com fotos do Alentejo.
Sairá pela manhã. Assim, podemos fazer uma "troca": eu venho aqui ler depois e tu passas no EQ quando quiseres ver a paisagem alentejana, combinado?
Beijos.
Tens-nos dado a conhecer poetas maravilhosos! Este é mais um que eu não conhecia. Que força têm as sua palavas!
Querida Meg, excelente poema para um grande poeta. Vale a pena, ainda que seja de fugida, para consolar a alma do quotidiano dos dias... deixo-te um bouquet de acácias rubras para te dizer Kanimambo!
Novembro
minha certeza garrida
traz-me de volta
as acácias floridas
verbena rubra
merengue perfume moringue
a cantar
beijo candengue futuro
a dançar.
Namibiano Ferreira
Um abraco cheio do garrido vermelho!!!
Filoxera,
Está combinado.
À tarde ou à noite cá me tens para ver o teu Alentejo.
Um abraço
Luisa,
O problema é que estamos sempre a citar os mesmos poetas... e há tanta gente a escrever bem!
Um abraço
Caro Namibiano,
Obrigada pelo poema e pelo carinho das acácias que adoro.
Até já te roubei as imagens...
Um grande abraço
Obrigada pela partilha deste poema do Luis carlos Patraquim que não conhecia.
Os Jacarandás...bem...simplesmente divinais!
Gosto imenso dapoesia e da prosa dos Luso-Africanos. Tem sabor...!
tudo tão perfeitamente belo...
um beijo
luísa
Meg
Não posso deixar de dizer (já o fiz uma vez, pelo menos) outra vez:
TU sabes escolhê-los!
Este também requer uma leituta muito atenta ou, de preferência, uma (re)leitura...
Simplificando: nota 10 para tudo, incluindo tu, pela homenagem prestada.
Os jacarandás...desculpa, merecem ...10 e meio...
Beijinhos
Mariazita
Maria Clarinda,
Mais um dos nossos poetas tão pouco divulgados, minha amiga!
Ah... os jacarandás, que maravilha!
Um abraço
Roderick,
Seja benvindo a este espaço. Espero que volte. Irei visitar o seu blog na primeira oportunidade.
Abraço
Pin Gente,
Luisa. obrigada pela visita e pelas palavras.
Um abraço
Mariazita,
As tuas palavras, a tua avaliação fizeram-me sorrir com carinho... não mereço tanto.
Os jacarandás sim, estou de acordo contigo.
Beijo
Olá, amiga!
Acontece que tive, em tempos, uma página (uma página inteira!) num periódico da região, chamada
"O Canto dos Poetas", com um número dedicado a Craveirinha, que conheci pessoalmente. Foi numa homenagem que lhe prestaram em Aljezur, onde ele tinha as suas raízes:
o seu pai aí nascera.
Faz bem lembrar esse homem simples e despretencioso, de muito talento.
Beijinhos
Caro Vieira Calado,
Pequema é a homenagem perante a grandeza do poeta e do homem.
É dos que não se põem em bicos de pés...
Um abraço
Pois a realidade é essa, há um mundo de poetas desconhecidos. Que morrerão sem glória.
Os editores não querem poesia, vende-se pouco. Querem romances!
Um dia um editor mostrou-me centenas de manuscritos maravilhosos, todos empilhados no chão, e disse-me com mágoa que não os poderia editar, e que era uma terrível injustiça.
Padeirinha,
Pois como dizes, os poetas estão "condenados" ao silêncio.
Por isso vou tentando lembrar alguns deles.
Um abraço
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