A cidade não é o nosso orgulhoos aviões não são pombas brancasestou doentena minha frente os automóveis brilham e uma mulhervolta para mim o rostotem os óculos no alto da cabeçacomo Gago Coutinho após a Travessiae eu olho para o chãoe depois para o céu: entre o vómito matinal de um bêbedo e Deusjá quase nada existeDeus está debaixo dos tectos enrolado em mansos cobertoresnão há saída nenhuma para ele pois que se deixe estar:este caminhoesta cidadesão de facto trabalho para o HomemDeus limitou-se a apostar no Homem.
Dois generais nunca discutem por causa de uma rosaensinou-me meu pai há muito tempoquando podava a vinhae eu ia enchendo os bolsoscom tangerinas para dar ao Carecaque escolhia sempre a linhaquando íamos descalços jogar o futebol.A cidade a esta hora está a ruir por dentromas está tudo bemé óptimo isto tudoeu sigo embatucado pela margem do Tejosou eu agora quem aposta nas gaivotascontra a nafta.vejo passar um petroleiro grego − o Parthénon − será? por ali fico duas ou três horas a olhar as águaso Tejo é hoje uma maldita avenidae há cada vez menos árvores.o Tejo é um esgoto.o Tejo é um esgoto.oh por favor salvemos.ao menos.as gaivotas.Nas livrarias vendem-se pastéis de nata e Roland Barthesé moda, não se admirem:duzentos mil exemplares de pastéis de natacontra quinhentos livros do António Ramos Rosae as pessoas entram e escolheminvariavelmenteos pastéis de natae lambem-se gulosassatisfazem a sua opção críticacumprimentam e engordam o livreirogenerosamente.Hoje ainda há Obélix e KafkaHoje ainda há Hamburgers e TravoltaHoje ainda há ChicletsHoje ainda háHoje.Volto de novo ao Tejoàs suas margensdescalço como Leanoros meus sapatos ainda lá estãosó a verdura não existe.e agora mais confortável do que nuncacom estes sapatos sujoscheios da nossa civilização até aos atilhoscaminho devagar para o ventre da cidadefumando um cigarro sem filtroe pontapeio com um misto de impotência e de desprezoos caixotes de lixoos pneus dos automóveis estacionadossabendo que vou morrerinevitavelmente.Ó mar da minha angústia diz-me:a felicidade é uma árvore?..[Joaquim Pessoa]..in «Os Dias da Serpente»,125 Poemas (Antologia Poética), 1989....
23 de julho de 2008
Poluição
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26 comentários:
Cara Meg
Eu trouxe o Ramos Rosa:
(...)
"Entre os flancos do mundo o poema é um cavalo ébrio
com um único olho de cristal por onde o sol se engolfa
e cuja luz se repercute em delicadas linhas
da energia unânime do seu peito inacabado."
Ramos Rosa in "Deambulações Oblíquas" (que pena a caixa de comentários quebrar os versos...)
Gosto particularmente de Joaquim Pessoa (e de Ramos Rosa, como poder ver-se). Neste seu poema - menos musical mas não menos belo - um grito de alerta que não atinge os comedores de pastéis de nata. esses contentam-se em ver tudo por intermédio do pc.
Um abraço
___
P.S. Não se preocupe com as visitas. Nisto dos blogues ninguém deve esperar visitas porque visitou. Espero eu! O que importa é que a Meg anda ocupada feliz, embora cansada.
Eu também prefiro a natureza rude à cidade poluida, e contemplar a água em vez das montras de um qualquer centro comercial.
Não conhecia o poema e também conhecia muito pouco do autor.
Cumps
Querida Meg
Não tens de nos responder, se não tiveres tempo.
Dá-nos só, de vez em quando, mais poesia como esta....
... adoro Joaquim Pessoa!
Beijinhos
Meg. Grande Joaquim Pessoa! Nada mais real e valiosos para alertar as mentes,que nada pensam basta ler e ouvir como tudo se destrói a cada instante,este poema foi sem dúvida algo de belo.Cheguei ontem mas vinha cansada,agradeço a tua visita as palavras,e amizade como sempre,eu volto lá para o fim semana ou seja sábado.
Beijinho Lisa bfs
Meg
Muito bem. Excelente o poema.
Bjinho
MEG
O mar da minha angústia diz-me: a felicidade ainda existe? Se sim tragam-se um pouco de céu e um livro dos que gosto ler à sombra duma árvore.
Abraço, Meg
Lídia
Querida MPS,
Quantas palavras bonitas para um poema de que eu tanto gosto.
De ler lentamente, em voz alta, para me ouvir, na expectativa vã de que me escutem com atenção. Os dos pastéis de nata.
Um abraço amigo
Querido Guardião,
Vale a pena conhecer o Joaquim Pessoa... continuamos a precisar destes aletrtas cada vez mais.
Um abraço amigo
Maria,
Tem mesmo de ser assim, minha amiga.
Orgulho-me tanto dos Amigos!
O pior ainda está para vir e chama-se Agosto, depois tenho o Inverno para descansar.
Beijinhos
Lisa.
Tu o sabes muito melhor que muita gente.
E as chamadas de atenção nunca são demais.
Um abraço
Caro Amaral
Obrigada pela visita, meu amigo.
Este poema é uma lição.
Um abraço
Lídia,
Claro que existe e bem perto de nós.
Mas fingimos que não a conhecemos, desprezamo-la até ao dia eu que fiquemos soterrados sob o lixo que produzimos.
Um abraço
Venho deixar-te um abraço e desejar-te muita genica para continuares a deixar-nos mensagens tão importantes mesmo com muito trabalho.
Tudo de bom e grande abraço.
Tanta poluição, Meg.
Temos que ajudar a erradicá-la. Só a que perssiste em algumas cabeças, é impossível.
Joaquim Pessoa, num poema algo inquientante, mas são assim mesmo os poetas.
E eu gosto dele.
Beijos
Como são belas as tuas escolhas e que fácil me é ir pela mão-poeta!
Deixa-nos este rasto de ti, que folheamos com os olhos.
Bj
A poluição é algo que todos podemos combater, começando por pequenos gestos e alertar os governos para que façam o mesmo. Desculpa não passar aqui faz tempo, mas a minha vida anda em stress permanente. Kiss e Bom Fim de Semana
Bípede Implume,
Vou tentando, minha amiga, mas está mais difícil do que pensava.
Uma boa semana para ti.
Um abraço
Carminda,
A brincar que o digas, este é um dos grandes problemas actuais.
Produzimos como nunca, e muitas vezes á apenas uma grande falta de civismo...
Uma boa semana
Um abraço
Querida Bettips
As tuas palavras são um bálsamo...
sempre.
Mil beijos
Amigo Ludo.
Uns de férias outros a trabalhar,
todos nós andamos afastados destas lides da blogosfera.
Uma boa semana.
Um abraço
que pena esta fantástica poesia não versar o irreal!
um abraço
luísa
Querida MEG
Este poema de Joaquim Pessoa é duro, rude mas por isso mesmo muito belo.
Um bela chamada de atenção para o que vai acabar por nos destruir: a poluição. Toda ela. Contemos também com o lixo acumulado em muitas "cabeças pensantes" da nossa praça.Tomemos consciência da necessidade de pararmos um pouco, debaixo de uma árvore frondosa,olharmos para cima e à nossa volta. Celebremos a vida com alegria e bem acompanhados,com um livro. Que se lixem os pastéis de nata e os seus comedores: uns fazem engordar, outros engordam de nada fazer.
Um beijinho grande para ti amiga
Querida Meg:
Tenho andado numa roda viva neste período em que para alguns irem de férias os outros redobram o trabalho...
Um grande poema de Joaquim Pessoa! As cidades cada vez mais poluídas!
E tanta displicência face ao problema.
Beijos
Pim Gente
É um dos dramas dos nossos dias, não tem nada de irreal...
Um abraço
A Paginadora
Querida A.
Creio que já não há solução... são irreversíveis estes dois tipos de poluição. Esperança? Mioto pouca.
Um abraço
Querida Papoila,
Não só as cidades...comecemos pelas mentes das gentes que nos governam.
E quanto a correria, ainda falta o Agosto...!!!!
Um abraço
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