Dr.
dói-me o peito
do cigarro
do bagaço
do catarro
do cansaço
dói-me o peito
do caminho
de ida e volta
do meu quarto
à oficina
sem parar
sempre a andar
sempre a dar
dói-me o peito
destes anos
tantos anos
de trabalho
e combustão
dói-me o luxo
dói-me os fatos
dói-me os filhos
dói-me o carro
de quem pode
e eu a pé
sempre a pé
dói-me a esperança
dói-me a espera
pelo aumento
pela reforma
pelo transporte
pela vida e pela morte.
Dr.
já estou farto
de não ser
mais que um braço
para alugar
foi-se a força
e o meu corpo
é como o mosto pisado
como um pássaro insultado
por não poder mais voar.
Dr.
eu não sei ler
os caminhos
por dentro
dos hospitais
mas alguém há-de aprender
entre as rugas do meu rosto
o que não vem nos jornais
e não há nada no mundo
nem discurso
nem cartaz
capaz de gritar mais alto
que as palmas das minhas mãos
que o meu sorriso sem jeito,
Dr.
Dói-me o peito…
José Fanha,
Eu sou Português aqui, ed. Ulmeiro
«««««<>»»»»»
José Fanha (1951)Nasceu em Lisboa em 19/02/51.
Arquitecto não praticante. Professor do Ensino Secundário.Poeta, declamador, autor de letras para canções e de histórias para crianças, autor de textos para televisão, para rádio e para teatro. Pintor nas horas vagas.Entre muitas outras aventuras, integrou em 69/70 o grupo de teatro da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, foi fundador em 73 e animador do grupo de teatro “Lídia a mulher tatuada e os seus actores amestrados”, participou em 77 no concurso de televisão “ A visita da Cornélia”, colaborou nos programas de rádio “Pão com manteiga” e “Uma vez por semana”, tem colaborado periódicamente desde 79 com João Lourenço e Vera SanPayo Lemos na adaptação de inúmeros textos teatrais desde “Baal” até à “Ópera dos três vinténs”, ambos de Bertolt Brecht.
In: Eu sou português aqui - Obras de José FanhaUlmeiro - 1995
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45 comentários:
Quem não conhece o José Fanha? Mas estes versos dele não conhecia. São extraordinários de beleza e realismo!
neste
grito
ouve-se
um país
Obrigado.
Meg
Palavras para quê? É um poema belíssimo, uma lição de vida.
Abraço
Meg. Conheço bem este poema de josé Fanha,por vezes bem a calhar,e alguns assim são,pequena lição.
Beijinho Lisa
Luisa,
Não foi escrito agora, mas podia ter sido, Luisa.
É que a dor aumenta...
beijos
Lupussignatus.
O pior é que estes gritos continuam a não ser ouvidos.
um abraço
Amigo Amaral,
É belo, mas muito triste e revelador também.
Até quando?
Um abraço
Lisa,
Mas são apenas lembretes, nada mais. Quem os ouve?
Mas ainda assim vale a pena lembrar.
Um abraço
entrei no seu espaço por um blog de um amigo. Adoreiiii. Seu poema é intenço, profundo.parabéns. marthacorreaonline.blogspot.com
Bastou-me ler o título para saber que falavas de Fanha.....
Conheces o blog dele? "Queridas bibliotecas", na minha barra lateral.
Munch... é Munch...
Um abraço, Meg
Cada vez com mais razão. Infelizmente para este Povo a quem o Poder esmaga e sufoca numa espiral interminável...
Xi Grande
meg:gostei do poema.é de natureza forte.e estava atrás deste quadro do munch,para um trabalho.só o consegui em preto e branco,no argan.tem o carácter d' "o grito".
um beijo.
romério
Pois o Zé Fanha tem destas coisas... Não sabemos muito bem explicar porque o que ele escreve está tudo direitinho e certinho...
Gostei deste embalo Dr.
Querida Meg:
Chegar a tua casa e ler hoje aqui este grito de José Fanha!
(Não me fales em trabalho e pressa...)
Beijos
Cada vez me dói mais o peito, isto digo eu agora, porque o J. Fanha já o tinha dito bem antes.
Boa escolha para esta ocasião.
Cumps
Este poema do Fanha faz-me lembrar outro de António Gedeão - Calçada de Carriche.
"Luisa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luisa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Saíu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
..."
O mesmo drama de uma vida sem horizontes.
Como sempre um óptimo trabalho da Meg.
Grande abraço, amiga.
Grande texto de um querido companheiro de sessões de poesia e cantigas.
Por cada vez que estou ali sentado, no palco, de viola repousada e calada no colo, ouvindo o Fanha dizendo os seus versos, ganho um ano mais de vida.
Tenho que arranjar mais actuações com ele... :)))
Abreijo
Desta vez alguém bem conhecido, embora eu não tenha lido nunca este poema a não ser hoje.
Abraço do retornado Zé
Este poema do Zé Fanha demonstra o desalento com que alguns de nós nos defrontamos.
Porquê ainda, Meg? neste Portugal de ontem, mas também no de hoje e, sabe-se lá até quando...
Beijos
Martha,
É um prazer recebê-la, mas fico sempre curiosa sobre através de quem chedou ao Recalcitrantemor.
Vai-me dizer?
É realmente intenso o poema, intenso e pungente, dada a situação que o país atravessa.
Espero vê-la mais vezes e logo que possível, far-lhe-ei uma visita.
Um abraço
Maria,
Conheço o blog dele, sim, e agora que sem querer deitei abaixo os links todos, vou colocá-lo cá também, que os meus Favoritos estão a rebentar pelas costuras, parece a lista telefónica.
Obrigada pela tua visita apesar da minha ausência...forçada
Beijos cansadíssimos.
Querida Porca,
Será interminável mesmo? Olha que já já muita gente que já saltou fora... com fome, potr isso me dói tanto!
Um xi pa ti
Romério,
É um poema que sem ser dos dias de hoje, se aplica aos dias de hoje.
A dor está a alastrar a uma velocidade alucinante, meu Amigo!
Vou mandar-te 2 ansiedades do munch em tons diferentes.
Beijo da Meg
Mardapalha,
Muito obrigada pela sua visita, só tenho um reparo a fazer e perdoe-me por isso. Sinto um certo desconforto com os comentários anónimos. Geram desconfiança, embora esteja certa de que não terá sido essa a sua intenção.
Terei muito gosto em recebê-lo mas... se não for anónimo, claro que o prazer será maior.
Cumps.
Querida Papoila,
Sempre a correr, como te compreendo. Só mesmo por amiizade.
Obrigada pela visita.
Beijinhos apressados
Amigo Guerdião
Como me sinto feliz com as tuas visitas agora que estou práticamente impossibilitada de vos visitar.
Ainda por cima deitei, por burrice, os links todos abaixo.
Voltar a pô-los lá é tarefa que leva tempo mas que tem de ser feita.
E como diz o Fanha, dói-me tudo!
Um abraço
Bípede,
Foi com emoção que li o poema que me deixaste... ainda estou a ouvi-lo cantado.São as nossas memórias, que julgávamos não ter de lembrar em 2008!
Beijos
Samuel
É verdade, quem diria que em 2008 teríamos de ir para a rua cantar... ai se o Zeca fosse vivo!!!
Obrigada pela visita, agora que sabes o motivo da minha ausência
Um abraço
Meu Amigo Zé,
Que saudades! Ainda bem que já voltaste. Agradeço-te também a presença amiga aqui, nestas circunstâncias - a minha falta de tampo.
E julgo que do Fanha há ainda muito a dizer nesta situação que o País atravessa.
Um grande abraço amigo para ti, da MEg
Carminda,
Porquê, perguntas tu, e como hoje estou de má catadura, digo-te que estamos a pagar a factura do deslumbramento dos dinheiros que entraram para onde não era suposto entrarem.
E dói-me porque vejo muita gente ser atirada borda fora da esperança. E não te digo o que me tê dito alguns... sem luz ao fundo de nada... qual túnel, qual carapuça? Ceu aberto e noite escura de breu.
Pessimismo isto? Não. realidade brutal!
Um abraço
sempre que aqui venho descubro sempre algo novo, por isso adoro passar por aqui...não tenho esquecido o teu convite, mas o tempo!!!!!
bom fim de semana amiga
beijos
Carla,
Andamos todas atarefadíssimas, mas estás sempre a tempo, não te preocupes, quando decidires, já dabes o caminho.
E obrigada pela visita
Um abraço
poema de grande ritmo e intensidade, sem dúvida!
beijão, voltarei...
Paradoxos,
É realmente a intensidade dos momentos que vivemos.
Outro paradoxo.
Aqui virás sempre que entenderes e te der prazer, espero!
Um abraço
Querida Meg,
Uma escolha única!
Um conselho de amigo: não te esfalfes demasiado...
Um abraço anarquista
Savonarola,
Meu querido Jorge,
Que pena o Zé Fanha ter tanta razão!
Fazes-me sempre falta, porque sei que és isso mesmo, um amigo. Acabas de o demonstrar...
Estão a começar a ser muito complicados estes meses em termos de tempo disponível.
Mas farei sempre os possíveis... sem me esfalfar.
Um beijo para ti
Querida Amiga Meg,
Já tinha saudades de te ler e ouvir...
Esta sábia e sempre actual poesia do José Fanha éra-me desconhecida até agora. Obrigado Amiga pela tua linda partilha.
Deixo-te um grande beijo amigo, com votos de um excelente e produtivo verão (mas sem exageros...). Cuida-te bem Amiga.
Maria Faia
Sem tempo para comentários, venho apenas deixar um beijinho de despedida, já que vou amanhã de férias, por 2 semanas.
Amanhã publicarei um post, o último desta fase.
Se quiser e puder...vá lá ver.
Quando regressar farei uma visita
Tudo de bom.
Beijinhos
Mariazita
O José Fanha é da minha camioneta!
Frequenta os "palcos" de proximidade! A gente sai de casa porque não vê TV e ali, numa livraria de província, encontra o Fanha a declamar, sem cachet, simplesmente poeta. É também daqui que o conheço, único!
Um abraço, estou com pressa, tenho de ir comprar cigarros!
Maria Faia,
A tua visita é sempre um mimo para mim, principalmente agora que estou como vês.
Cheia de trabalho... e sem tempo, e descansar é preciso também.
Não sei se não vou ter de alterar os planos. ´Mas enquanto conseguir responder aqui...já não é nada mau!
Um abraço e bom domingo
Mariazita,
Pois desejo-te umas óptimas férias e cá te espero de novo.
Um abraço
Pata Negra,
Os teus comentários são uma brisa.
O teu humor leve e solto... não há mais um lugar nessa camioneta?
É que tem de haver sempre lugar para mais um...
Um bom domingo e um abraço
Este péssimo visitadeiro vem dizer, hoje, bom dia! E também bom trabalho!
Querido Zef,
Venha quando vier é sempre em boa hora, e sempre com muita alegria que o vejo entrar pela porta dentro.
Uma boa semana e um grande abraço da Meg
Sou fã de José Fanha
e gostei de reler.
beijinho
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