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O Sol, a Lua e o Arco Íris, de Noel Langa Vocês não sabem mas todas as manhãs me preparo para ser, de novo, aquele homem.
Arrumo as aflições, as carências, as poucas alegrias do que ainda sou capaz de rir, o vinagre para as mágoas e o cansaço que usarei mais para o fim da tarde. À hora do costume, estou no meu respeitoso emprego: o de Secretário de Informação e de Relações Públicas. Aturo pacientemente os colegas, felizes em seus ostentosos cargos, em suas mesas repletas de ofícios, os ares importantes dos chefes meticulosamente empacotados em seus fatos, a lenta e indiferente preguiça do tempo. Todas as manhãs tudo se repete. O poeta Eduardo White se despede de mim à porta de casa, agradece-me o esforço que é mantê-lo, alimentado, vestido e bebido (ele sem mover palha) me lembra o pão que devo trazer, os rebuçados para prendar o Sandro, o sorriso luzidio e feliz para a Olga, e alguma disposição da que me reste para os amigos que, mais logo, possam eventualmente aparecer. Depois, ao fim da tarde, já com as obrigações cumpridas, rumo a casa. À porta me esperam a mulher, o filho e o poeta. A todos cumprimento de igual modo. Um largo sorriso no rosto, um expresso cansaço nos olhos, para que de mim se apiedem e se esmerem no respeito, e aquele costumeiro morro de fome. Então à mesa, religiosamente comemos os quatro o jantar de três (que o poeta inconsta na ficha do agregado). Fingidamente satisfeito ensaio um largo bocejo
e do homem me dispo. Chamo pela Olga para que o pendure, junto ao resto da roupa, com aquele jeito que só ela tem de o encabidar sem o amarrotar. O poeta, visto depois e é com ele que amo, escrevo versos e faço filhos. [...] . Eduardo White . . . «««o»»»
Eduardo Costley White, escritor moçambicano, nasceu em Quelimane , a 21 de Novembro de 1963.O poeta integrou um grupo literário que fundou, em 1984, a Revista Charrua. Junto a outros poetas, colaborou também com a Gazeta de Letras e Artes da Revista Tempo, publicação cuja importância, assim como Charrua, foi indiscutível para o desenvolvimento da literatura moçambicana.Por intermédio desses periódicos, afirmou-se um fazer poético intimista, caracterizado pela preocupação existencial e universalizante.Numa preocupação com as origens, Eduardo White tenta na sua poesia reflectir sobre a sua história e sobre Moçambique, numa tentativa de apagar as marcas da guerra e de dignificar a vida humana.Para isso, escreve através de um amor diversificado que pode ser pela amada, pela terra ou mesmo pela própria poesia, sempre num tom de ternura, de onirismo, de musicalidade e, por vezes, de erotismo.É membro da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO). Publicou os seguintes livros: “Amar sobre o Índico” (1984); “Homoíne” (1987); “País de Mim” (1990; Prémio Gazeta revista Tempo); “Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de Ser Ave (1992; Prémio Nacional de Poesia); “Os Materiais de Amor Seguido de O Desafio à Tristeza” (1996); “Janela para Oriente” (1999); “Dormir com Deus e um Navio na Língua” (2001; bilingue português/inglês; Prémio Consagração Rui de Noronha); “As Falas do Escorpião (novela; 2002); “O Homem a Sombra e a Flor e Algumas Cartas do Interior (2004).A poesia de Eduardo Costley White está exposta no museu Val-du-Marne em Paris desde 1989. Em 2001 foi considerado em Moçambique a figura literária do ano..
"Podem dizer-me ou insultar-me a cor que visto e, no entanto, eu amo-a, desde a origem mistura com que me pensou e talhou até a estas inacabadas sempre cores múltiplas com as quais vou estando aqui.Sou um arco íris por vocação e não me cinjo nem à ardósia e nem ao giz, e são minhas as geografias dos lugares que desconheço mas que pelas veias respiro."(na Carta a alguns menos esclarecidos sobre o meu pardo mestiço Eduardo White).«««««o»»»»».